Reconhecimento da Justiciabilidade Direta do Direito à Saúde pela Corte IDH – Caso Poblete Vilches vs. Chile
Thainá Mamede
No âmbito do Sistema Interamericano (SIDH), o caso Poblete Vilches vs. Chile (2018) admitiu expressamente a possibilidade de judicializar diretamente o direito à saúde perante o SIDH. A sentença desenvolveu o alcance do direito à saúde com base no artigo 26 da CADH, levando ao reconhecimento do direito à saúde de maneira autônoma, e não de forma mediata, indireta ou por conexão com algum direito civil – por exemplo, direito à vida e à integridade física.
A Corte IDH concluiu que o Estado chileno não garantiu ao senhor Poblete Vilches seu direito à saúde sem discriminação, mediante serviços necessários e urgentes em relação a sua situação de vulnerabilidade como pessoa idosa. Além disso, também reconheceu que o Chile violou outros direitos, como o direito à vida e à integridade pessoal (art. 4 e 5 da CADH).
O caso diz respeito à morte do Sr. Vinicio Antonio Poblete Vilches, de 76 anos de idade, que estava internado e foi submetido a um tratamento médico em um hospital público no Chile. Sua família apresentou petição inicial perante a CIDH alegando a responsabilidade internacional do Chile em relação à morte do senhor Poblete Vilches em 7 de fevereiro de 2001.
A Corte IDH realizou uma importante distinção entre as obrigações decorrentes do artigo 26, sendo de natureza progressiva e de caráter imediato.
“Em relação às primeiras, referidas pelo Estado no presente caso, a realização progressiva significa que os Estados partes têm a obrigação concreta e constante de avançar da forma mais célere e eficaz possível rumo à plena efetividade dos DESCA, isso não deve interpretar-se no sentido que, durante seu período de implementação, as referidas obrigações se privem de conteúdo específico, o que tampouco implica que os Estados possam diferir indefinidamente a adoção de medidas para tornar efetivos os direitos em questão, máxime após quase quarenta anos da entrada em vigor do tratado interamericano. Outrossim, impõe-se, portanto, a obrigação de não regressividade diante da realização dos direitos alcançados. Em relação às obrigações de natureza imediata, estas consistem em adotar medidas eficazes, a fim de garantir o acesso indiscriminado às prestações reconhecidas para cada direito. As medidas devem ser adequadas, deliberadas e concretas, objetivando a plena realização de tais direitos.” (§104)
O caso teve uma atuação estratégica das Defensoras Públicas Interamericanas (DPI) Silvia Martínez (Argentina) e Rivana Barreto Ricarte (Brasil) na fase da Corte IDH, o que fez uma grande diferença na resolução do caso – principalmente, para o desenvolvimento do direito à saúde de maneira autônoma e do direito das pessoas idosas em matéria de saúde, considerado como um grupo em situação de vulnerabilidade.
Além disso, em relação ao Comentário Geral n. 14 do Comitê DESC, a Corte IDH destaca quatro elementos essenciais e interrelacionados, que devem ser garantidos pelo Estado em prestações médicas de urgência:
- qualidade, devendo ser fornecida infraestrutura adequada e necessária para tratamentos médicos, o que inclui qualquer tipo de ferramenta ou suporte vital;
- acessibilidade, devendo os serviços de emergência de saúde ser acessíveis a toda e qualquer pessoa de maneira inclusiva;
- disponibilidade, sendo necessária a existência de estabelecimentos, bens e serviços públicos de saúde necessários para atender a demanda básica populacional; e
- aceitabilidade, devendo ser respeitada a ética médica e os critérios culturalmente estabelecidos.
Devido à importância do tema e à necessidade de desenvolvimento dos direitos sociais, há o fenômeno conhecido como a judicialização da saúde no Brasil, visando ao acesso a tratamentos, medicamentos pautados como políticas públicas ou à busca por inclusão de tratamentos novos. Nesse sentido, verifica-se a importância de uma atuação estratégica para garantia dos direitos e continuidades de políticas públicas universais.
Importante reforçar a consagração do Sistema Único de Saúde Brasileiro, no artigo 198 da Constituição, como política pública de saúde, devendo o Estado promover o direito à saúde de modo universal e igualitário. Não é possível, portanto, conceber o direito à saúde indissociável do direito à vida.
Considerando o exposto, a Corte IDH afirmou que:
i) o direito à saúde é um direito autônomo protegido pelo artigo 26 da Convenção Americana
ii) esse direito, em situações de urgência, exige aos Estados velar por uma adequada regulação dos serviços de saúde, oferecendo os serviços necessários de acordo com os elementos de disponibilidade, acessibilidade, qualidade e aceitabilidade, em condições de igualdade e sem discriminação, mas também tomando medidas positivas relativas a grupos em situação de vulnerabilidade;
iii) as pessoas idosas contam com um nível reforçado de proteção relativo aos serviços de saúde de prevenção e urgência;
iv) a fim de imputar-se a responsabilidade do Estado por mortes médicas, é necessário que se observe a negação de um serviço essencial ou tratamento, apesar da previsibilidade do risco enfrentado pelo paciente, ou uma negligência médica grave, e que se confirme um nexo causal entre a ação e o dano. Quando se trata de uma omissão, deve verificar-se a probabilidade de que a conduta omitida tivesse interrompido o processo causal que resultou no resultado nocivo;
v) a falta de atendimento médico adequado pode levar à violação da integridade pessoal; e
vi) o consentimento informado é uma obrigação das instituições de saúde, as pessoas idosas ostentam a titularidade desse direito, entretanto, ele pode ser transferido sob certas circunstancias a seus familiares ou representantes. Outrossim, persiste o dever de informar os pacientes, sempre que proceda, e seus representantes sobre os procedimentos e condição do paciente. (§174)
Excelente síntese do caso! ParaThainá Mamede.