Ana Clara Motta
Carolina Tatagiba
Crislan Sampaio
Larissa
Maria Luiza Moratelli
Nicolau Maldonado
Thainá Mamede
Tayara Causanilhas
Vitória Lima
A presente resenha foi realizada pelos seguintes alunos e alunas da Clínica Interamericana de direitos Humanos da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob a supervisão do professor Siddharta Legale com objetivo de proporcionar um debate e reflexão crítica sobre o tema que ainda possui uma escassa bibliografia sobre o tema no Brasil.
Cada capítulo foi dividido em duplas de relatores, encarregados de resumir as principais ideias, e revisores, incumbidos de rever o trabalho de síntese e de levantar questionamentos críticos ao mesmo. A presente resenha foi submetida ao debate público na sala de aula em setembro de 2018 e, agora, também no site do Núcleo Interamericano de Direitos Humanos (NIDH) com intuito de fomentar também um debate virtual.
Capítulo 1. Educação em Direitos Humanos no Brasil
Relatora: Larissa
Revisora: Thainá Mamede
A autora inicia destacando a relevância da educação em Direitos Humanos e a dificuldade de implementação na prática. Defende o fortalecimento de políticas educacionais que visem a ampliação do número de defensores de Direito Humanos no Brasil, isto é, ampliação do número de pessoas que lutem por transformações estruturais a partir do reconhecimento das diferenças.
É pretendido, segundo Fernanda Lapa, evidenciar uma educação em Direitos Humanos por três propósitos: 1) “informar e dar conhecimento sobre os direitos que historicamente foram construídos e denominados como Direitos Humanos, que são os direitos que toda pessoa deve ter para viver uma vida com qualidade, sem opressão, exclusão e discriminação.” 2) “formar futuros defensores de Direitos Humanos, que serão os protagonistas das mudanças estruturais” 3) “aprofundar o conhecimento específico sobre esses direitos para atuais defensores de Direitos Humanos.”
Em conformidade com o primeiro propósito, para haver uma sociedade desenvolvida é necessário que a população tenha ciência de suas liberdades e direitos. Portanto, essa educação visa à emancipação e o empoderamento das pessoas com a intenção de que elas reconheçam sujeitos históricos capazes de projetos próprios e coletivos. De acordo com o segundo propósito, além do reconhecimento como sujeito portador de direitos, há indivíduos com a intenção de serem agentes de transformações sociais e, por isso, a educação em Direitos Humanos serve como instrumento para o ativismo e a defesa desses direitos. O terceiro propósito é a garantia contínua de formação para os defensores, a fim de que possam dar seguimento ás suas atividades.
Outro tópico do capítulo trata da introdução aos Direitos Humanos que, segundo a autora Fernanda Lapa, a sua tese é embasada na teoria que os Direitos Humanos são históricos, sociais e culturais, visto que o Direito é uma construção humana e, por isso, tudo o que o homem produz deve ser considerado em suas dimensões biológicas, psicológica, cultural, social e efetiva, portanto, estão em constante processo de construção e reconstrução. As lutas por esses direitos buscam o reconhecimento da igualdade em dignidade humana para a construção de um sujeito que tem conhecimento de ser portador de direitos.
O Direito como criação humana, deve ter como fundamento o próprio homem, considerado em sua dignidade substancial de pessoa, dessa forma os Direitos em geral não devem ter como fundamento uma abstração metafísica como essência imutável nem uma esfera religiosa. A professora dar bastante ênfase no componente cultural que segundo ela é fundamental, isto é, é imprescindível considerar o indivíduo, construtor dos Direitos Humanos, como um homem concreto e singular que precisa ser considerado dentro de uma cultura e de um tempo e espaços determinados. Em vista disso, qualquer visão metafísica ou transcendente de homem, seja de um homem natural, divino ou racional, não responde mais aos anseios da sociedade atual.
Conforme o entendimento da Fernanda Lapa, sustentar a afirmação de que existe um fundamento para os Direitos Humanos – seja filosófico, científico ou religioso – não se sustenta mais e, ainda, fortalece um discurso hegemônico sobre os direitos, uma vez que a busca por um fundamento único para os Direitos Humanos percebido revelou diversas dificuldades para a sua implementação e eficácia, apesar de ter provado uma ampliação de reconhecimento político e jurídico.
Boaventura Santos defende que esses direitos precisam ser ressignificados no mundo atual a fim de poderem ser realmente aplicados nessa grande diversidade cultural, pois, é sabido que os Direitos Humanos não são universais na sua aplicação. Ele defende o cosmopolitismo, uma política emancipatória, através de diálogos interculturais sob diferentes concepções de dignidade humana.
Segundo Boaventura, isso pode ser feito por meio de quatro premissas: da superação de debate entre o universalismo e relativismo cultural; da compreensão que todas as culturas possuem concepções de dignidade humana; de percepção que todas as culturas são incompletas e problemáticas nas suas concepções de dignidade humana; da aceitação que nenhuma cultura é monolítica e todas tendem a distribuir os grupos sociais entre dois princípios competitivos: igualdade e diferença.
Santos propõem uma concepção contra hegemônica e intelectual desses direitos, iniciada com uma hermenêutica de suspeita em relação à concepção de matriz liberal dos Direitos Humanos, que privilegia os direitos individuais em detrimento dos direitos econômicos, sociais e culturais e que reconhece, portanto, sua indivisibilidade e interdependência. Portanto, é importante não descartar o discurso ou a luta pelos Direitos Humanos por causa dessas limitações em sua fundamentação e implementação. Ainda existe busca por outros fundamentos, com isso, há autores que defendem o amor entre as pessoas como um novo fundamento que vem para embasar a defesa dos Direitos Humanos atualmente.
É fundamental, a educação em Direitos Humanos, para proporcionar a prática constante desse processo de aprendizagem pela igualdade e pelo amor, o que provocará uma ampliação dessa capacidade de empatia e a construção de uma cultura em Direitos Humanos na sociedade, que leve em conta as desigualdades, as contradições, as ilusões e as exclusões já existentes.
O outro tópico do capítulo apresenta a História dos Direitos Humanos no Brasil. Lapa, primeiramente, ressalta que houve avanços e retrocessos na promoção e defesa dos Direitos Humanos no decorrer do século XX. Ela destaca que desde 1930 o tema dos Direitos Humanos tornou-se central nos debates da sociedade brasileira. E segundo o sociólogo apresenta esse processo dividido em quatro períodos históricos.
O primeiro período ocorreu entre os anos de 1930-1964, quando o debate desses direitos foi herdado dos governos de Getúlio Vargas, já que nessa época destacavam-se a violência no campo e assassinatos de trabalhadores e dirigentes sindicais rurais e, por isso, permitia a proteção de alguns direitos sociais e o reconhecimento pelo Estado do direito ao voto.
O segundo período tem seu início com o golpe militar de 64, nesse momento havia um choque entre os interesses dos grandes capitais e a democratização econômica e social. Por isso, esse período é marcado pela repressão aos sindicatos, à imprensa, aos direitos à privacidade, à ampla defesa, entre outros, o primeiro período (1937-45) concentrou-se a falta de liberdades políticas, já no segundo período (1964-85) as violações se deslocam também para os direitos econômicos, sociais e culturais, contribuindo para um modelo de concentração de renda, e não de distribuição.
O terceiro período se inicia na transição democrática. Esse é o momento entre o final da ditadura e o início de um regime democrático liberal, entre 1985-1988, a elaboração de uma nova constituição democrática.
O quarto período é iniciado em 1989 com a primeira eleição direta desde 1960 e começa no país a transição evidente para um projeto neoliberal que reconhece os direitos políticos, mas retira do Estado a responsabilidade sobre a prestação dos direitos políticos.
No Brasil, após a ditadura percebe-se que, definitivamente, a pauta dos Direitos Humanos entrou no debate político e, com isso, os movimentos sociais passaram a ter uma grande participação no debate e na reconstrução da democracia. Segundo Demo defender a política pública de Direitos Humanos depende muito da cidadania popular organizada. No processo de redemocratização fica evidente que os movimentos sociais, junto à população, passam a se reconhecer como sujeitos legítimos para exercitar uma cidadania de participação política e para manter a luta faz-se mister a formação contínua de sujeitos, defensores e ativistas de Direitos Humanos.
Outro ponto apresentado no capítulo é apresentar o que é uma educação em Direitos Humanos.
Fernanda Lapa expõe que a educação desses direitos deve ser proporcionada em todos os ambientes políticos, sociais e educativos que estejam ao seu alcance e contextualizados à vida dos participantes nesse processo. A educação em geral, principalmente a educação em Direitos Humanos, precisa trabalhar e acessar as dimensões biológicas, psicológicas, sociais, econômicas, históricas culturais e afetivas do aprendiz. Essa educação deve ser fundamentada em uma ideia de mudança social.
A luta para a construção de uma cultura em Direitos Humanos através da educação é para que todas as pessoas reconheçam como sujeitos de direitos para se defender e defender os outros. Além disso, a educação em Direitos Humanos será sempre necessária para transformar e retransformar pessoas e sociedades e, por isso, ela deve ocorrer de forma permanente, já que o conhecimento dos valores inseridos em uma cultura é melhor assimilado quando fazem sentido para elas.
Segundo Vera Candau, existem três dimensões principais que devem ser reforçadas nessa educação: a primeira diz respeito à formação de sujeitos de direitos. A segunda é favorecer o processo de empoderamento dessas pessoas, para além de saberem-se sujeitos, serem também atores e protagonistas das mudanças coletivas e sociais. E, por fim, a terceira dimensão seria o “educar para o nunca mais”, ou seja, romper a cultura do silêncio e da impunidade.
A educação em Direitos Humanos passa a entrar no debate de forma mais ampliada e capitalizada, seja nas escolas que possam por uma reformulação de suas práticas e incorporam o tema através de debates sobre democracia, cidadania, ética e liberdade, seja no ensino superior através de disciplinas específicas ou de forma transversal.
A professora Fernanda Lapa também apresenta em sua tese as Políticas Públicas em Direitos Humanos no Brasil. Ela inicia dizendo que entre as décadas de 1980 e 1990 um movimento similar de construção de políticas e leis no tema de educação em Direitos nos âmbitos regionais e internacional que influenciou diversos países como o Brasil.
No contexto da América Latina, a partir dos anos 1980 e as experiências ditatoriais, organizações e movimentos sociais se uniram em defesa de regimes democráticos e começaram a promover ações de educação em Direitos Humanos. No início, esse movimento foi majoritariamente realizado por entidades civis e posteriormente também passaram a ser realizados pelos próprios Estados, através de elaborações de leis que incluem a educação em Direitos Humanos. Vale ressaltar a criação de Instituto Interamericano de Direitos Humanos (IIDH), em 1980, que é uma instituição acadêmica dedicada à pesquisa e educação em Direitos Humanos no âmbito regional. O IIDH foi responsável por impulsionar a criação de diversas públicas de educação em Direitos Humanos no âmbito latino-americano.
No âmbito internacional, em 1993, a Organização das Nações Unidas (ONU) organizou um Congresso Internacional sobre Educação em Prol dos Direitos Humanos e da Democracia. A Conferência de Viena reforçou que os Estados-partes da ONU deveriam promover a educação em Direitos Humanos a nível nacional, por consequência disso a ONU promulgou a Década da Educação em Direitos Humanos.
Com essa orientação, o Estado Brasileiro lançou em 1996 o Primeiro Programa Nacional de Direitos Humanos, no governo Fernando Henrique Cardoso e, esse programa deu grande enfoque para os direitos civis e políticos e, por isso, em 2002, foi lançado o PNDH-2 que incorporou os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, reforçando os princípios da universalidade, indivisibilidade e interdependência dos Direitos Humanos.
Somente em 2003 a Secretaria Especial dos Direitos Humanos criou o Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. A finalidade desse comitê era elaborar e monitorar o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, apresentar propostas de políticas públicas e propor ações de formação, capacitação, informação, comunicação, estudos e pesquisa na área, além de políticas de promoção da igualdade de oportunidades.
Após esse período, a ONU lançou o Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos, divididos em dois planos de ação: a primeira fase, 2005 a 2009, visava às políticas de educação em Direitos Humanos na educação básica e ensino médio. Já a segunda fase, 2010 a 2014, visa á educação nesta temática para o ensino superior, funcionários públicos, profissionais de Direito e militares. Atualmente, a ONU aprovou uma terceira etapa do Programa para o período de 2015 a 2019, que dá enfoque à educação em Direitos Humanos para os profissionais de mídia e um plano de ação para este período em consulta aos Estados, UNESCO e organizações da sociedade civil.
A Educação em Direitos Humanos, segundo o Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos é definida como: […] um processo de aprendizagem, formação e informação que visa à construção de uma cultura universal dos Direitos Humanos; envolve não só aprender sobre esses direitos e seus mecanismos de proteção, mas também a aquisição ou fortalecimento de habilidades necessárias para aplicar esses direitos de forma prática na vida diária; o desenvolvimento de valores atitudes e comportamentos que respeitem os Direitos Humanos como bem tomar medidas para defender e promover esses direitos […]
Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos, criado em 2003, apresentou nesse mesmo ano uma primeira versão do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) para uma consulta a organizações governamentais e não governamentais. É importante destacar que o Brasil estava empenhado em articular esta temática internamente e, assim, o plano brasileiro foi o primeiro da América Latina a ser elaborado nesta temática e serviu, e ainda serve de exemplo para outros países.
Para complementar as ações previstas no PNEDH, no final da 1a fase do plano de ação do Programa Mundial, em 2009, foi lançada a 3a edição do Programa Nacional de Direitos Humanos, PNDH-3, que resultou de uma grande articulação entre ministérios e a participação da sociedade civil, e que orienta o Poder Executivo, dentre outros responsáveis, na elaboração de políticas públicas no tema dos Direitos Humanos.
O 5º eixo orientador desse programa refere-se especificamente à educação em Direitos Humanos como tema estratégico; está dividido em cinco diretrizes e onze objetivos, abrangendo a educação em direitos humanos no ensino formal, não formal, serviço público e meios de comunicação. Esse Eixo foi criado com o objetivo principal de provocar políticas públicas a fim de promover:
Percebe-se que, assim como na década de 1990 houve uma expansão do debate sobre educação em Direitos Humanos, na primeira década do século XXI, há a consolidação dos principais documentos políticos brasileiros sobre educação em Direitos Humanos, o PNDH-3 e o PNEDH.
O PNEDH está dividido em cinco áreas de atuação: a Educação Básica, a Educação Superior, a Educação Não Formal; a Educação dos Profissionais dos Sistemas de Justiça e Segurança e a Educação e Mídia. Sobre a Educação Superior, que terá destaque neste trabalho, a autonomia universitária já está estabelecida como marco fundamental desde a Constituição Federal de 1988. Assim, as universidades têm autonomia didática, científica, administrativa, financeira e patrimonial e devem ter como princípio a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
Sendo assim, o PNEDH ressalta que este tipo de educação deve ter como princípios: caráter permanente; enfoque transdisciplinar, acessível à graduação e a pós-graduação; indissociabilidade entre ensino; pesquisa e extensão; relação próxima com os movimentos sociais e formação de agentes de transformação social.
A conquista do Estado Democrático delineou, para as Instituições de Ensino Superior (IES), a urgência em participar da construção de uma cultura de promoção, proteção, defesa e reparação dos direitos humanos, por meio de ações interdisciplinares, com formas diferentes de relacionar as múltiplas áreas de conhecimento humano com seus saberes e práticas.
Podemos perceber que no tópico Os Direitos Humanos e as Universidades Brasileiras, a autora esclarece que durante a década de 1960, o Estado Brasileiro, mesmo tendo assumido diversos compromissos internacionais de Direitos Humanos, ainda assim não tinha alcançado a implementação na prática e na cultura brasileira. Isto é, não havia ensino e nem o debate sobre Direitos Humanos até a implementação do Golpe de Estado.
Conforme Maria Zenaide, professora e ativista, no primeiro momento (década de 1960), a luta pelos Direitos Humanos nas universidades era inicialmente pelos direitos civis e políticos suprimidos de estudantes e professor. Enquanto que, no segundo (na segunda metade da década de 1980), os direitos eram sociais, culturais e econômicos, trabalhados através de projetos de educação popular.
Logo em seguida, Fernanda destaca a criação da Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos (RBEDH) em 1995, formada por professores e militantes de movimentos sociais que defendia a educação como a forma mais adequada de reconstruir a democracia no país e evitar a repetição de violações aos Direitos Humanos. Tal criação contribuiu para construção de políticas públicas nacionais de educação em Direitos Humanos, como, por exemplo, a PNEDH (Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos).
Neste Plano Nacional, ficou estabelecido que as universidades devem promover a educação em Direitos Humanos através de atividades de ensino, pesquisa e extensão. No ensino, podem ser incluídas como disciplinas obrigatórias e optativas, linhas de pesquisa e área de concentração, transversalização no projeto político-pedagógico, entre outros. Na pesquisa, deve haver uma política de incentivo que institua o tema como área de conhecimento interdisciplinar e transdisciplinar, para graduação e pós-graduação. Por fim, na extensão, a temática deve ser incluída em programas e projetos de extensão, que devem estar articulados com as áreas de ensino e pesquisa.
Além disso, ressaltou que em junho de 2012, ocorreu mais um avanço com o Conselho Nacional de Educação, o Ministério de Educação e a Secretaria de Direitos Humanos lançaram as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos. No mesmo ano, a CAPES aprovou cinco programas de pós-graduação interdisciplinares em Direitos Humanos em diversas universidades no Brasil.
Lapa conclui que “não é possível sustentar um único fundamento absoluto para os Direitos Humanos, que devem ser sempre considerados como históricos sociais e culturais. O reconhecimento de uma igualdade entre os homens, apesar de suas diferenças, precisa ser exercitado e , defende-se aqui, que a melhor forma de se fazer isso é com uma educação voltada aos valores, à ética, à Justiça e aos Direitos Humanos”.
Tal posicionamento implica que a educação em Direitos Humanos é um caminho para formar mais defensores desses direitos e para isso, deve ser considerado todas as dimensões explicitadas. Além disso, destaca a dimensão afetiva, uma vez que compreender Direitos Humanos está além do campo racional, isto é, esses direitos precisam fazer sentido para as pessoas por meio da compreensão dos valores inseridos em uma cultura, permitindo empoderar os indivíduos que se auto reconhecerem como sujeitos de direito, formando mais agentes de mudança social.
Capítulo 2 – Os Direitos Humanos nos Cursos Jurídicos
Relatora: Carolina Tatagiba
Revisora: Maria Luiza Moratelli
A autora apresenta um panorama histórico do ensino jurídico, considerando que antes da chegada da Corte ao Brasil (1808), os brasileiros com ensino superior eram formados em sua maioria na Universidade de Coimbra, evidenciando a elitização do ensino. Apenas após a Independência, nascem os primeiros cursos jurídicos brasileiros, os quais foram formados pela elite, tendo por sua influência a mentalidade liberal individualista. Neste cenário, os cursos de Direito eram voltados para o estudo de textos legais, sem preocupação crítica, reflexiva ou social, iniciando aqui um distanciamento da teoria com a prática jurídica. Em seguida, após maior popularização do ensino superior, os bacharéis do Direito se direcionam a ocupação de cargos públicos.
Apenas no período de redemocratização (1980 a 1990) a Comissão de Ensino Jurídico da Ordem dos Advogados do Brasil (CEJ) e a Comissão de Especialista de Ensino Direito da Secretaria de Ensino Superior do MEC (CEED), iniciam o debate de crítica a esse contexto de crise do ensino, que culmina na Portaria 1.886/94. Entre as indicações dessa Portaria, estão a integração de atividades de ensino, pesquisa e extensão nos cursos jurídicos, no fortalecimento do vínculo entre teoria e prática jurídica, na formação interdisciplinar do bacharel na implementação de Núcleos de Prática Jurídica (NPJ), Atividades Complementares e Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs). Essa Portaria impulsiona a criação da Resolução CNE/CES n. 09/2004, que estabeleceu novas Diretrizes Curriculares, a qual, além das indicações já mencionadas pela Portaria, indica maior incentivo à pesquisa e extensão, contextualização do curso com a realidade social em seu novo Projeto Político Pedagógico. A Resolução traz também importantes definições sobre habilidades e competências dos bacharéis:
I – leitura, compreensão e elaboração de textos, atos e documentos jurídicos ou normativos, com a devida utilização das normas técnico-jurídicas;
II – interpretação e aplicação do Direito;
III – pesquisa e utilização da legislação, da jurisprudência, da doutrina e de outras fontes do Direito; […].
VI – utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de reflexão crítica;
VII – julgamento e tomada de decisões […].
Numa ótica atual, o problema do ensino jurídico está na metodologia apostilada, na qual os estudantes ingressam na faculdade em busca de melhor desempenho em provas de concurso público, não almejando um ensino crítico e politizado do Direito. A autora acrescenta também a ideia de “oabtização” dos cursos, em que faculdades se limitam na preparação para a prova da OAB. Vale ressaltar, a crítica também feita ao enorme número de cursos de Direito no Brasil (1300), tal crescimento que não se deu de forma coerente a qualidade.
Neste ponto, Lapa destaca a forma em que a prática e os Direitos Humanos são abordados nas Universidades brasileiras, com os NPJ, a Assessoria Jurídica Universitária Popular (AJUP), e os Centros de Referência em Direitos Humanos (CRDH).
As assessorias jurídicas surgiram em um contexto de redemocratização, impulsionadas pela ação dos próprios estudantes, com o objetivo principal de garantir o acesso à justiça. Após a Constituição de 1988, as AJUPs passam a buscar a efetivação desses direitos. Os NPJs são, de acordo com a autora, tem mais foco em uma linha de escritórios modelo. Já os CRDH, funcionam como casas do direito, que fornecem assistência não só jurídica, mas também social e psicológica para a população mais vulnerável. Autora faz um recorte no cenário americano, como foco na América do Norte e na América Latina.
Não existe uma definição única, mas de acordo com o texto, existem duas qualidades essenciais calcadas na aprendizagem de habilidades profissionais e valores sociais unidos à reorientação da educação jurídica para a formação de advogados sensibilizados coma justiça social.
O seu surgimento é dividido em três ondas, cuja primeira justifica a importância das clínicas, criticando a metodologia tradicional de ensino. Aqui, a clínica se propõe como uma melhor maneira de forma advogados (William Rowe), além de também contar com o Relatório Reed, que identifica ensino de habilidades práticas como um dos componentes para preparar os graduando para prática do Direito. Assim, a “[…] educação clínica surge como reação à educação jurídica tradicional enciclopedista, memorista e pouco prática” (p.65).
A segunda onda trata da solidificação e expansão das clínicas. Nesse contexto (1960/1990) há maior preocupação com questões sociais, influenciada pelos movimentos que vinham acontecendo nos EUA (movimento de mulheres, direitos civis, Guerra do Vietnã), logo as clínicas passam a direcionar seus trabalhos a essas temáticas.
A terceira onda concentra-se no desafio da secundarização da educação clínica, que ainda estava à margem nos currículos, contando também com a desvalorização dos professores em relação aos professores teóricos/ pesquisadores. Atualmente, ainda se enfrenta a dicotomia entre teoria e prática, que na defesa da autora, deve ser melhor articulada, levando em consideração questões sociais e humanas.
A primeira geração, caracterizada por “Movimento de Direito e Desenvolvimento” é baseada nas clínicas estadunidenses e fracassou e foi rejeitada no contexto latino americano, sendo entendidas como mais uma forma de dominação Norte americana. Entre justificativas para esse fracasso foi apontadas pelo professor Felipe Gonzalez, a escassez de recursos das Escolas de Direito latinas, o papel secundário da clínica, e que os casos trabalhados no tiveram grandes impactos sociais. Numa segunda geração, em um cenário de transição de regimes autoritários para democráticos, há maior preocupação na luta por Direitos Humanos, surgindo as Clínicas de Interesse Público, que intencionam tratar de casos paradigmáticos, fortalecendo a jurisprudência.
A autora verifica que tais clínicas, em geral, trabalham com estudantes de graduação em atividades de extensão em parceria com entidades sociais. Em sua aprendizagem, os estudantes aprendem, sobretudo, que o Direito pode ser um meio/ instrumento de mudanças sociais, além de adquirirem habilidades advocatícias em Direitos Humanos, e também desenvolvem um papel de protagonistas. A teoria é testada nas clínicas, onde os estudantes compreendem e desenvolvem o processo de resolução de conflitos, para além de apenas os conteúdos das leis. A clínica permite também que os alunos desenvolvam soluções criativas e autodeterminadas para resolver os casos, de forma que eles evoluam suas capacidades cognitivas e respostas afetivas e emocionais.
Os próprios estudantes das clínicas latino americanas desenvolveram características essenciais às clínicas, que são também um cenário ideal: a participação de estudantes de anos mais avançados, a discussão, reflexão da teoria aprendida, o trabalho supervisionado por professores ou advogados, o recebimento de créditos curriculares e os serviços serem oferecidos de forma gratuita.
Lapa, em concordância com James Cavallaro e Fernando Elizondo Garcia defende mudanças nas clínicas latino americanas, como aprender a advogar em sentido mais amplo (negociando, se comunicando, organizando campanhas…), que em sua visão é dificuldade atualmente, já que as vítimas de violações de direitos humanos durante as ditaduras apresentam um perfil diferente das vítimas de agora, necessitando que os estudantes saibam dialogar com as camadas mais pobres. Além disso, acrescenta também a necessidade de saber utilizar a tecnologia, que podem ser muito úteis quanto à documentação das violações.
É novamente reiterada a dificuldade de dialogar a teoria com a prática, a qual permeia até hoje o cenário do ensino jurídico no Brasil. Assim, as clínicas brasileiras foram inspiradas nos sistemas internacionais de Direitos Humanos, especialmente do sistema interamericano. Lapa faz então, um panorama das clínicas das regiões brasileiras, evidenciando que essa formação ainda vem sendo construída.
Capítulo 3. Clínica de Direitos Humanos para cursos jurídicos no Brasil
Relator: Crislan Sampaio
Revisora: Vitória Lima
A autora, neste capítulo, define o que seria uma Clínica de Direitos Humanos como sendo o espaço universitário institucionalizado que promova a educação clínica em Direitos humanos adequada à sociedade brasileira do séc. XXI.
Diante do exposto nos capítulos anteriores, essa atenta que existirá de fato a CLÍNICA DE DIREITOS HUMANOS o espaço universitário que respeitar os 5 pressupostos da educação em Clínica de Direitos Humanos: 1) o compromisso com a Justiça Social; 2) metodologia participativa; 3) articulação da teoria com a prática de Direitos Humanos; 4) integração das atividades de ensino, pesquisa e extensão; 5) enfoque interdisciplinar; bem como aos dois pressupostos necessário para a existência real e efetiva de um espaço universitário no Brasil: 6) institucionalização formal e reconhecimento da Universidade; 7) público-alvo universitário.
No tocante aos desdobramentos de cada pressuposto, Lapa, informa que o 1) COMPROMISSO COM A JUSTIÇA SOCIAL Uma clínica de Direitos Humanos deve estar alicerçada em um compromisso com as pessoas e grupos vinculados ao caso que podem ter seus direitos violados. É fundamental que reconhece as diferenças, mas se fundamenta na igualdade entre os homens. Não é admitido qualquer tipo de discriminação, exclusão entre o grupo da clínica e o diálogo desta com as entidades parceiras. Merece destaque quando a autora diz que se deve buscar o equilíbrio entre o pedagógico e o social, ou seja, para além da preocupação com a aprendizagem dos estudantes, os projetos devem ser selecionados de acordo com a maior urgência e necessidade do grupo que está tendo os seus direitos violados. Esse é dos compromissos mais importantes: o grupo deve ser levado em conta em todos os momentos, inclusive sendo ouvido e consultado para todas as etapas decisórias de intervenção. Uma das principais atividades de uma Clínica de Direitos Humanos é garantir a conscientização social e ética para formação de cidadãos que lutem por mudanças sociais e que identifiquem seu papel ativo e transformador na sociedade.
A autora no ponto sobre 2) METODOLOGIA PARTICIPATIVA direciona críticas a educação desenvolvida no ensino superior, pois tal educação centrada na narração torna os educandos objetos pacientes, meros ouvintes. FREIRE que defende tal posicionamento e ainda acrescenta que o educando tem que agir como protagonista. A CLÍNICA deve adotar uma metodologia que supere a concepção bancária da educação, por meio: a) de uma abordagem participativa em espiral (participatory approach); b) da técnica de solução de problemas (problems solving); c) do uso de casos emblemáticos/paradigmáticos.
Sobre a) abordagem participativa em espiral Lapa fala da importância da participação dos estudantes nas escolas e definição dos casos, uma vez que eles precisam se identificar com o problema. Isso não quer dizer que esses não precisam de orientação, conduto eles devem ser empoderados. Segundo a organização EQUITAS e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos da ONU, 2011 p.11, deve existir uma abordagem participativa que: promova e valorize a troca de conhecimento pessoal e de experiência em Direitos Humanos e que incentive a reflexão crítica sobre crenças e valores individuais, sendo seus princípios: a) respeito mútuo e b) aprendizagem recíproca e incluir a voz de alunos no processo de aprendizagem.
A primeira etapa da aprendizagem em espiral seria a identificação das experiências dos estudantes, dessa forma o aluno se torna o centro no processo de aprendizagem. Posteriormente, o professor orientador deve buscar os padrões comuns entre os estudantes (idade, classe social, histórico escolar), para que em seguida possa adicionar novas informações e a teoria. Uma vez adquirindo novos conhecimentos, os estudantes devem articular teoria com a prática por meio de um plano concreto de ação para melhor assimilarem o que foi aprendido. A autora assevera que essas etapas em espiral podem inspirar a metodologia participativa da CLÍNICA DE DIREITOS HUMANOS para: dar centralidade ao estudante no processo de aprendizagem e não ao professor catedrático; incluir novas informações que façam sentido aos estudantes, após conhecer seus valores e crenças; articular a teoria apresentada com a prática dos DIREITOS HUMANOS e, ainda, pensar em possíveis estratégias de intervenção no real. Para depois, começar novamente.
- b) da técnica de solução de problemas (problems solving): A autora explica que tal técnica educativa implica em uma situação concreta na qual os estudantes começam a pensar possíveis soluções para o problema relacionado aos Direitos Humanos. Além dos estudos da estratégica (investigação in loco) é importante o estudante ir a campo, identificar as vítimas, entrevistar os protagonistas do caso, estudar a teoria e visualizar as possíveis estratégias para solução deste problema. Por meio da utilização dessa técnica na metodologia participativa é possível trazer vários efeitos para a vida do estudante, tanto na sua formação pessoal quanto profissional, pois este se sente mais valorizado por expressar suas ideias e reflexões sobre problemas do mundo e da forma como pensa em busca de soluções.
- c) do uso de casos emblemáticos/paradigmáticos: Para que haja um impacto, que vá além de formar defensores dos Direitos Humanos na sociedade por meio da intervenção da CLÍNICA DE DIREITOS HUMANOS, faz-se necessário que os casos escolhidos sejam emblemáticos. Entendem-se como casos emblemáticos aqueles que, mesmo que atinjam diretamente uma pessoa, deve ser utilizado na medida em que o debate sobre ele afete um coletivo de pessoas que passam pela mesma situação. Nesse momento, a autora apresenta o litígio estratégico e o define como sendo uma forma de utilizar estrategicamente um sistema de justiça para alcançar mudanças sociais e estruturais. Em resumo, é escolhido um caso emblemático sobre um tema para se acionar os mecanismos judiciais internos e/ou internacionais existentes, buscando uma transformação da jurisprudência, políticas públicas e/ou mudanças legislativas.
A autora explica que existem dois tipos de advocacia: a) client-oriented (orientada pelo cliente), ou seja, atende os anseios do cliente e b) issue ou policy-oriented (orientada pelo tema), que visa o impacto social que o caso pode fomentar. Alguns exemplos domésticos seriam os casos como da Maria da Penha, Damião Ximenes e Guerrilha do Araguaia. Nestes casos, foram acionados o Sistema Internacional de Direitos Humanos para causar impactos internos, como políticas públicas, mudanças legislativas e na jurisprudência. Segundo Lapa, são necessárias estratégias de incidência política e jurídica para alcançar os impactos anteriormente citados. Quais seriam algumas possíveis estratégias? Usar meios eletrônicos e escritos para difundir informação (estratégias de comunicação); realizar campanhas de sensibilização; fazer lobby junto ao Legislativo para sugerir e/ou impulsionar reformas legais; buscar parcerias para amicus curiae, examinar pesquisas e documentação em Direitos Humanos, impulsionar mecanismos de implementação para medidas de reparação e/ ou políticas públicas.
Adentrando no cerne do tópico 3) ARTICULAÇÃO DA TEORIA COM A PRÁTICA EM DIREITOS HUMANOS, pode-se constatar sobre a ótica de Lapa que tentativas em busca deste co-relacionamento não é uma tentativa recente, e o papel da Clínica de Direitos Humanos vai diretamente de encontro com este verdadeiro desafio do meio acadêmico, em fazer com que a prática este a imersa nos processos de aprendizagem. A inserção destas mesmas Clínicas nas comunidades exemplifica este objeto como essencial para que o aluno consiga ter uma concepção de mundo necessária para a aplicabilidade de ensinamentos que lhes são repassados na academia. Ademais, é afirmado pela autora que o fluxo de ensinamento obtido pelos mesmos não obedece, cronologicamente falando, os fatos vivenciados pelos mesmos ao participarem de tais iniciativas, através de projetos de extensão com objetivos específicos, por exemplo.
Em face desta constatação, a autora afirma que se deve considerar a inserção do que a mesma chama de “educação clínica em Direitos Humanos” na própria grade curricular, de modo a abrir um precedente de estudo de casos emblemáticos, com o objetivo de explorar todas as anuências atreladas ao mesmo, possibilitando uma gama de conhecimento ao aluno, no que tange a atuações diante de temas como organização de campanhas, entrevista com responsáveis e vítimas, negociação dentre outras particularidades com as quais se tem contato em campo de atuação de uma Clínica. Ou seja, ocorrerá efetiva utilização estratégica do referido litígio, uma vez que inúmeros fatos como ambiente e a análise de diferentes tipos de relação (que podem ser sociais, econômicas dentre outras) irão compor a visão objeto de análise, em contraponto à limitada observação que poderia ser feita em face à aplicabilidade da norma ante a ocorrência de um caso.
Ainda falando de uma aplicabilidade razoável do Direito em meio ao cotidiano repleto de casos que carecem de análise específica, Lapa utiliza importante afirmativa para ilustrar, resumidamente, o valor que se tem em estabelecer parâmetros que estejam alinhados com a defesa dos Direitos Humanos: “Aprender a pensar em outras estratégias é fundamental para trabalhar a visão do Direito como instrumento para a Justiça Social e, na maioria das vezes, insuficiente para solucionar as demandas de Direitos Humanos (LAPA, p.96)”. É importante salientar que o cerne da questão não é fazer com que o ensino clínico substitua o método tradicional de ensino, mas que busque ser o elo entre a teoria e a prática, fazendo com que o aluno desenvolva certas habilidades, gozando de uma formação que pode ser entendida como socialmente responsável, conforme defendido por HUERTAS, citada na obra em questão por Lapa. Deve-se tratar a clínica como espaço complementar de formação dos estudantes de Direito, com o propósito de estimular o pensamento crítico e estratégico para a solução de problemas reais de Direitos Humanos.
Aproveitando-se desta discussão acerca do tratamento que a autora defende como razoável em relação ao ensino clínico de Direitos Humanos, adentramos em mais uma particularidade que tem direta correlação com a ideia de um espaço complementar de formação acadêmica. Trata-se do item 4) INTEGRAÇÃO DAS ATIVIDADES DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO, áreas estas que, por sua vez, são vistas pela universidade brasileira como um princípio que goza de indissociabilidade, fazendo com que cada um destes pilares deva ser complementar durante a formação do estudante. Interação esta, confirmada nos projetos político-pedagógicos das referidas universidades objetos desta reflexão. Complementando seu ponto de vista, Lapa afirma que as atividades da Clínica de Direitos Humanos podem articular estes três pilares, fazendo da mesma um espaço onde o estudante vivencie tal práxis. Justificando esta afirmativa, a autora salienta que as atividades de ensino podem ser desenvolvidas através de encontros regulares em um grupo de estudos, estabelecendo-se a oportunidade de aprofundar seus estudos em Direitos Humanos, sendo importante estabelecer um grupo com número reduzido de estudantes, com o propósito de garantir a metodologia participativa do mesmo, recomendando que seja composto por quinze a vinte alunos, além de dois professores coordenadores. Este mesmo grupo também ficaria responsável pelas atividades administrativas da Clínica, assim como da organização de eventos acadêmicos para divulgar temas de relevância em Direitos Humanos, tanto na universidade como na comunidade em geral.
A partir dos estudos em grupo e das análises de casos reais (ou hipotéticos) ligados aos Direitos Humanos, Lapa sinaliza para o surgimento de pesquisas para aprofundar o conhecimento, ou buscar novas respostas para um problema/pergunta. É possível identificar nesta constatação, destacada pela autora, uma forma de integração entre uma atividade de ensino e uma atividade de pesquisa, oriunda de uma necessidade real e concreta (por sua vez, ideal para justificar a relevância de uma pesquisa). É válido ressaltar que, por conta da Clínica ser um espaço, que segundo entendimento da autora pode contar com estudantes de graduação e pós-graduação, estabelece-se um espaço ideal para a realização de pesquisas, haja vista que o diálogo e as trocas de conhecimento e experiências entre os estudantes serão um aspecto que enriquecerá a prática da pesquisa científica, ainda mais quando se tratam de casos com notada relevância social.
Tratando especificamente do terceiro pilar, a autora estabelece como possibilidade para o desenvolvimento das atividades de extensão duas formas em específico: a) que os casos sejam relacionados pelos estudantes e professores, por entenderem se tratar de um caso emblemático de violação de Direitos Humanos que necessita de uma intervenção; ou b) que os casos venham de demanda externa, através de uma solicitação de organização/entidade social parceria, havendo em ambas as hipóteses de contato com a comunidade, ora ocorrido por busca feita pela equipe da Clínica por casos relevantes, ora ocorrido via contato feito por parceiro para com a Clínica (possibilitando aos estudantes acesso à realidade, que por muitas vezes pode ser diferente da vivenciada pelos mesmos, além de possibilitar aos mesmos que possam pensar, de forma estratégica, em possíveis mudanças sociais). Corroborando esta reflexão, ZENAIDE (2010, p. 75) afirma que “[…] o trabalho extensionista articule práticas formativas na graduação fazendo interagir, por exemplo, o estágio curricular ou extracurricular com disciplinas práticas e teóricas, com grupos e projetos de pesquisa, aplicando as possibilidades formais e não-formais na abordagem do tema.”. ZENAIDE complementa seu raciocínio afirmando que se a disciplina de Direitos Humanos, por ventura, fosse desvinculada de experiências de pesquisa e extensão, ela teria seu âmbito de atuação restrito. Mediante isto, Lapa ratifica seu ponto de vista em defesa da Clínica de Direitos Humanos como espaço ideal para a integração ensino-pesquisa-extensão.
Posteriormente a tal análise sobre o aspecto de relação teoria e prática como cerne de atuação da Clínica de Direitos Humanos, outro tema muito debatido na área de educação em Direitos Humanos merece evidência, em face dos múltiplos referenciais disciplinares que envolvem o tema de direitos humanos, que por sua vez tem abrangência em diferentes áreas, como história, sociologia, direito, antropologia, psicologia, ciência política, relações internacionais. A autora afirma que o 5) ENFOQUE INTERDISCIPLINAR é intrinsecamente atrelado ao estudo dos Direitos Humanos, a julgar pelos próprios temas que aborda serem de natureza interdisciplinar, como: educação, saúde, alimentação, moradia, justiça, cultura, meio ambiente. Ainda segundo Lapa, alinhados com esta reflexão, há autores que defendem uma “interdisciplina” chamada Direitos Humanos, pela necessidade de ampliar a visão e o estudo dos próprios Direitos Humanos para várias áreas de conhecimento.
Ainda em referência à interdisciplinaridade, Lapa expõe que a mesma não é fato novo, haja vista a existência de uma área interdisciplinar na CAPES, sendo totalmente possível criar espaços nas universidades que tenham este enfoque em específico, além de portaria específica do MEC (1664/94) e Resolução 09/2004 da CNE/CSE, que versam sobre a determinação que os cursos jurídicos implementem tal interdisciplinaridade. A autora também ressalta a dificuldade, muitas vezes encontrada, por parte dos estudantes de analisar uma situação concreta em suas várias dimensões jurídicas e não-jurídicas, sendo fator visto como um dificultador. Uma análise compartimentada das disciplinas, que acaba por dificultar um entendimento global do Direito. Isto corrobora a afirmativa defendida por Lapa, da necessidade de haver um espaço fora da “sala de aula”, mas dentro da grade curricular, com o propósito já apresentado anteriormente, de estudo de casos emblemáticos sobre questões de Direitos Humanos, possibilitando uma provocação que faça com que os estudantes sejam compelidos a analisar fenômenos sociais, políticos, dentre outros que acabam convergindo na prática interdisciplinar.
A autora parte para a indagação que se coloca para a Clínica de Direitos Humanos, proposta pela própria Lapa, de como provocar a interdisciplinaridade nos estudos dos Direitos Humanos? Ou seja, como fazer isto acontecer? Quanto a isto, é estabelecida a linha de raciocínio que a mesma não se realiza ante o conjunto de diferentes disciplinas estanques, o que, segundo RODRIGUES (2007, p.19), se resumiria a um enfoque abarcado por aspecto relativo à multidisciplinaridade, complementando que interdisciplinaridade se realiza a partir da “análise do objeto a partir de categorias pertencentes a vários ramos do conhecimento em um mesmo momento, buscando apreender todos os aspectos deste objeto, em sua integridade”. Ou seja, a interdisciplinaridade vai além da contribuição da soma de diferentes disciplinas, a partir da premissa de desenvolvimento de conceitos integradores, visando ampliar as possibilidades de compreensão dos fenômenos estudados e das práticas inovadores, conforme defende CARDOSO (2013, p.12). Mesmo ciente dos desafios que envolvem a implementação deste enfoque interdisciplinar, Lapa afirma que este é o caminho mais adequado para uma aprendizagem integral. Também entende que a metodologia deve superar uma concepção fragmentária e partir para uma concepção unitária do conhecimento, destacando que a “interdisciplinaridade vem inovar e complementar outros pressupostos anteriormente apresentados: a metodologia participativa, a articulação teórica e prática e a integração entre atividades de ensino, pesquisa e extensão” (LAPA, 2014, p.103). Além deste enfoque interdisciplinar, a autora atenta para os dois pressupostos necessários para a existência real e efetiva de um espaço universitário no Brasil, já citados anteriormente (Institucionalização Formal e Público-alvo).
Em face de todos os argumentos supracitados, a autora reforça a necessidade de existir por parte das universidades reconhecimento institucional da Clínica de Direitos Humanos, argumento contido no anteriormente citado pressuposto 6) INSTITUCIONALIZAÇÃO FORMAL E RECONHECIMENTO DA UNIVERSIDADE, sempre em respeito a autonomia que cada uma tem para realizar tal institucionalização, a qual será fator imprescindível e garantidor de aspectos como o de eficácia e segurança no desenvolvimento de suas atividades.
Porém, Lapa ressalta que uma das formas mais adequadas para que isto seja feito é tornar a Clínica de Direitos Humanos parte da grade curricular do curso de Direito, fazendo com que os estudantes tenham reconhecimento de créditos, ao passo que os professores tenham carga horária prevista para as atividades em específico. Tudo isso atrelado ao investimento por parte das instituições, no que tange à disponibilização de espaço para desenvolvimento das atividades, proporcionando segurança e sustentabilidade para os integrantes da Clínica, além de comprometimento (tanto ético como social) dos mesmos para com as entidades e pessoas envolvidas nos casos selecionados – lembrando que as atividades de pesquisa e extensão devem estar vinculadas tanto a projetos aprovados em observância à demandas internas como demandas externas.
Como último pressuposto a ser explorado nesta análise do trabalho de Lapa, o 7) PÚBLICO-ALVO são os estudantes e professores de Direito das universidades brasileiras, haja vista que a Clínica de Direitos Humanos proposta pelo trabalho da autora é destinado para implementação em meio aos cursos de Direitos das referidas instituições. Lapa salienta a defesa da Clínica não como um núcleo que tenha o papel de interpor ações judiciais, haja vista a possibilidade de se acionar, em casos que requeiram a utilização de tal iniciativa, o Núcleo de Práticas Jurídicas (NPJ) da universidade, ou encaminhar o caso para um órgão responsável, como a Defensoria Pública. A autora leva em consideração, para tal posicionamento, a análise do histórico das clínicas de Direitos Humanos da América do Norte e América Latina, onde se constata que a maioria destas não pode impetrar ações judiciais. Lapa afirma que a Clínica de Direitos Humanos deve ser um espaço que surja no Brasil com viés voltado para a educação em Direitos Humanos, visando o compartilhamento de conhecimento, sentimentos, vivências e demais experiências, com o propósito de buscar soluções concretas para uma hipotética violação aos Direitos Humanos.
A autora ressalta, ainda, que a participação no desenvolvimento das atividades tanto de estudantes de graduação como de pós-graduação para, juntos, analisar casos concretos pode se tornar enriquecedora para todos os participantes, uma vez que contar com estudantes com maior bagagem em atividades de pesquisa, de diferentes departamentos, inclusive fazendo com que tal ramo (um dos três pilares que compõem o pressuposto 4, INTEGRAÇÃO DAS ATIVIDADES DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO) ganhassem maior força, em face do maior foco em atividades de extensão e ensino adotados por outros espaços universitários em Direitos Humanos.
Capítulo 4. A Pesquisa
Ana Clara Motta
Nicolau Maldonado
Tayara Causanilhas
São três os principais motivos para a realização da pesquisa:
- A ampliação da educação em Direitos Humanos nos cursos jurídicos brasileiros;
- A inadequação das grades curriculares no que tange a integração entre a teoria e a prática jurídicas; e
- A pouca integração entre as atividades de ensino, pesquisa e extensão de forma interdisciplinar.
A relevância da pesquisa baseia-se, principalmente, em dois aspectos: 1. A crescente demanda de bacharéis em Direito que trabalhem como defensores dos Direitos Humanos, não só nos aspectos públicos (Defensoria Pública e as secretarias municipais e estaduais voltadas aos Direitos Humanos) bem como no âmbito privado (em ONGs); e 2. Os problemas que envolvem Direitos Humanos são multidimensionais, requerendo uma formação multidisciplinar que permita uma análise conjuntural e crítica sobre a sociedade em que vivem.
No que tange ao problema de pesquisa e a tese, levanta-se a hipótese de que as universidades brasileiras, de forma institucionalizada, não têm um espaço que promova a educação em Direitos Humanos que integra as atividades de ensino, pesquisa e extensão simultaneamente. Nesse sentido, pergunta-se: Qual espaço universitário proporcionaria, na Educação em Direitos Humanos no Brasil, a integração simultânea das atividades de ensino, pesquisa e extensão em Direitos Humanos e o ensino da teoria articulada com a prática dos Direitos Humanos de forma interdisciplinar? A delimitação do problema de pesquisa foi realizada por meio de uma pesquisa em duas etapas, a primeira parte do processo metodológico com uma pesquisa bibliográfica e a segunda parte da pesquisa com observação in loco de algumas clínicas de Direitos Humanos fora do Brasil.
Disso, partiu-se para a escolha de cinco universidades do Brasil, tais quais plurais quanto possíveis, dentro do projeto da Fundação Ford que tinha por objetivo final de criar a Rede Brasileira de Clínicas de Direitos Humanos. Essas universidades deveriam possuir representatividade regional (quais sejam, regiões Sul, Sudeste, Norte e Nordeste), personalidades jurídicas diversas e formas de institucionalidade variadas (escritório modelo/Núcleo de Práticas Jurídicas, Centro de Referência em Direitos Humanos e Clínicas de Direitos Humanos).
Capítulo 5 – Análise das Clínicas
Foram escolhidas 5 clínicas, quais sejam, A, B, C, D e E. Os critérios foram: fazer parte do Projeto da Fundação Ford para a criação da Rede Brasileira de Clínicas de Direitos Humanos, ter representatividade regional e diferentes formas de institucionalização.
Informações gerais:
- A: é uma instituição comunitária, privada, sem fins lucrativos, sediada na cidade de São Paulo, região sudeste. O seu espaço de direitos humanos foi criado em 2000 e é denominado Escritório Modelo.
- B: é uma instituição pública com sede em Belém, Pará, região Norte. O espaço de direitos humanos é denominado Clínica de Direitos Humanos.
- C: é uma instituição privada, com sede em Porto Alegre, RS, região Sul. O espaço analisado é denominado como Clínica de Direitos Humanos.
- D: é uma instituição de ensino pública, com sede em João Pessoa, Paraíba, região Nordeste. O espaço analisado é denominado de Centro de Referência dos Direitos Humanos (CRDH).
- E: é uma instituição de ensino privada, comunitária, sem fins lucrativos, com sede em Joinville, SC, região Sul. O espaço analisado é denominado Clínica de Direitos Humanos.
- (Os dados fornecidos constam no Anexo B)
Apresentação dos dados – descrição vertical
Universidade A
O Escritório Modelo é vinculado ao Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Direito. Promove estágios curriculares para os estudantes de Direito, por meio da prestação de assessoria jurídica popular gratuita.
Tem como objetivos: a formação e a capacitação do aluno e a prestação de serviços gratuitos à população econômica e socialmente vulnerável, por meio de casos individuais e coletivos, de assessoria jurídica popular, de assistência judiciária e de mediação de conflitos, atuando de forma multiprofissional e interdisciplinar.
Tem como público-alvo: grupos, comunidades e indivíduos em situação de vulnerabilidade social e econômica.
Aborda problemas como: discriminação, violência urbana/doméstica, defesa de crianças e adolescentes, violação ao meio ambiente.
Tem como principais atividades: a orientação jurídica e informação sobre direitos humanos e cidadania a pessoas e comunidades em situação vulnerável, de forma multidisciplinar e interdisciplinar; prestação de serviços de assistência jurídica integral e gratuita a demandas individuais e coletivas; mediação de conflitos; e promoção de cursos e seminários sobre temas sociais e jurídicos para os grupos vulneráveis, dentre outros.
Tem parcerias com ONGs, agentes sociais e entidades comunitárias.
Segundo o coordenador, essa universidade já trabalhava com a assessoria jurídica popular desde os anos 1970, por causa de professores e estudantes faziam o trabalho voluntariamente. Aproveitando a oportunidade de reformulação da grade curricular, foi incluído no NPJ o escritório modelo com uma abrangência ampliada, com o conceito de assessoria jurídica popular e dos direitos humanos. O modelo abrange um tripé: a prestação de serviços em casos individuais, atuação em casos de direitos coletivos e formação em educação em direitos humanos.
Em relação às atividades de ENSINO, o escritório trabalha com estudantes que estão vinculados a projetos coletivos específicos ou de atendimento individual. Há também uma disciplina optativa oferecida aos estudantes de DIREITO uma vez por semestre sobre advocacia popular e direito urbanístico. Não há uma disciplina específica de direitos humanos no Escritório Modelo.
Em relação à EXTENSÃO, o escritório modelo aprova projetos que desenvolvem algumas inserções nas comunidades de São Paulo. Além disso, foi firmada parceria com a Defensoria Pública do Estado, na qual realizam formações de Direitos Humanos para defensores públicos.
Em relação à PESQUISA, existem pesquisas pontuais.
Em relação à integração entre ensino, pesquisa e extensão, entende-se que o escritório modelo proporciona uma qualificação crítica.
Todos os professores que coordenam o projeto são da área do direito. Uma problemática demonstrada é que o escritório não atende à demanda da faculdade, isto é, não são todos os alunos do curso que passam pelo escritório modelo.
Universidade B
A Clínica de Direitos Humanos foi criada em 2011 e faz parte da estrutura de um Laboratório de Direitos Humanos, uma atividade de EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA promovida pelo PPGD da Universidade. A Clínica tem um regimento próprio e recebe financiamento através de projetos específicos. Surgiu de um grupo de estudos formado por alguns professores da graduação que queriam realizar uma prática diferenciada e por outro grupo criado dentro do PPGD, pelos alunos. Assim, uniram-se os dois sob o nome da Clínica.
Tem como objetivo criar um espaço para o debate na construção de novos instrumentos e mecanismos voltados para a proteção e promoção dos direitos humanos, no âmbito da universidade, cumprindo sua função social.
Tem duas linhas de atuação, quais sejam, 1. Direitos econômicos, sociais e culturais; e 2. Internacional.
Em relação às atividades de ENSINO, os estudantes analisam casos emblemáticos, reais ou hipotéticos, e debatem com professores de outras áreas. Uma crítica é que não existe calendário regular como uma atividade específica de ensino, isto é, não há um grupo de estudos com encontros regulares.
Em relação às atividades de PESQUISA, ocorrem sobre os temas de regularização fundiária na Amazônia, concessões rurais e sistema interamericano de direitos humanos.
Em relação às atividades de EXTENSÃO, são realizadas atividades em parceria com movimentos sociais, organizados primordialmente pelos alunos. Há ainda relação com os movimentos, que é feita pelos professores pela dimensão das violações de direitos humanos.
Com relação à integração das atividades, pontuou-se uma pesquisa sobre o tema, anterior aos eventos, com um debate de casos e estratégias para o preparo de oficinas, que são ministradas por alunos. Há, ainda, a competição de julgamento simulado no sistema interamericano.
É formada por professores e estudantes do curso de Direito da graduação e Pós-graduação. Há grande preocupação com a formação sobre os direitos humanos, distinguida da atividade prática (de NPJs)
Apresenta como principal desafio para as clínicas de direitos humanos no Brasil é a percepção voltada ao litígio. Acentua-se que a maioria das clínicas, não só as do país como as do exterior, tem um perfil muito acentuado para o litígio – o que pode ser prejudicial por três razões: 1. O litígio é, obrigatoriamente contra o Estado; 2. O aspecto pedagógico; e 3. A demanda psicológica.
Quanto ao primeiro item, ao restringir-se ao litígio, embora as universidades tenham autonomia e independência, atuar em casos contra o Estado pode ser uma problemática, gerando indisposições no âmbito público. Quanto ao segundo, ao focar no litígio pode desviar o foco das atividades pedagógicas, o meio de ensino que não pressupõe um litígio. Por fim, os estudantes não têm o preparo adequado para lidar com casos reais de violações de Direitos Humanos.
Universidade C
A Clínica de Direitos Humanos foi criada em 2011, como um projeto de extensão vinculado à Pró-reitoria de Extensão. Recebe estudantes da graduação e do mestrado em Direito, com área de concentração em Direitos Humanos.
Em relação às atividades de ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO, o coordenador não pode separar qualitativamente as atividades dentre as propostas.
Sobre a compreensão dos estudantes em articular a teoria com a prática, os casos trabalhados na clínica acabavam por ser objeto de aulas dos professores, teorizando sobre a prática.
Apresenta que os direitos humanos não podem ser tratados como mera teoria, apenas em sala de aula. É necessário que os estudantes criem empatia com as vítimas. Defendeu a multidisciplinaridade.
A problemática parte da natureza da clínica. Como projeto de extensão, acaba por depender da aprovação interna a cada ano. Além disso, os estudantes da graduação não têm a carga horária validada como horas de prática. Há dificuldades para encaixar as atividades da Clínica como atividade jurídica curricular.
Universidade D
O Centro de Referência dos Direitos Humanos está vinculado ao Centro de Ciências Jurídicas, foi criado em 2010 e baseia-se nos tradicionais “Balcões de Direito”, visando contribuir para a democratização do acesso à justiça, agregando trabalhos de mediação de conflitos, assessoria jurídica popular e apoio psicossocial.
É um centro institucionalizado. No ano de 2010, de julho a dezembro, por meio de um convênio com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Em 2011, de janeiro a abril, por uma emenda parlamentar do Deputado Federal Luiz Couto (PT/PB).
Pare de cinco eixos temáticos: 1. A questão agrária e demandas urbanas; 2. Gênero, saúde e combate à homofobia; 3. Formação em direitos humanos e mediação de conflitos; 4. Defensores de direitos humanos; 5. Questão potiguara e sistema carcerário. Tem como foco as medidas coletivas.
Preocupa-se precipuamente com a demanda social existente, articulando ensino, pesquisa e extensão por meio de um amplo processo político-pedagógico de integração de docentes, discentes e da sociedade civil organizada, possibilitando intervenções e acompanhamento de situações de violações de direitos humanos apresentadas pelo Relatório sobre a situação dos Direitos Humanos no Estado da Paraíba no ano de 2009.
As atividades envolvem professores de Direito, bem como estudantes de graduação e pós-graduação em Direito, Psicologia, Serviço Social, Enfermagem, dentre outras áreas, confirmando uma concepção metodológica e pedagógica interdisciplinar baseada no diálogo constante com as comunidades, ONGs e movimentos sociais assessorados. Não litiga no Poder Judiciário, mas presta informações aos sujeitos interessados que busquem auxílio, acompanha fases processuais e inquisitoriais, realiza oficinas, minicursos, palestras, participa de atividades nas comunidades ou através de manifestações públicas mobilizadas pelos grupos assessorados.
Trabalha, portanto, com a assessoria jurídica popular, a mediação de conflitos, apoio psicossocial, educação jurídica popular, produção de documentários, realização de oficinas de capacitação, formação de agentes públicos e pessoas da sociedade civil organizada para a interlocução com os órgãos públicos.
Universidade E
A Clínica de Direitos Humanos surge de um projeto anterior de pesquisa dentro do ambiente acadêmico, em 2009.
Em relação às atividades de ENSINO, que formaram o foco do projeto até 2009, eram realizados encontros semanais do grupo de estudos com preparação das equipes para participar de simulados internacionais.
Em relação às atividades de EXTENSÃO, que tiveram origem em 2010, nota-se o projeto Educar Direitos Humanos, que consiste na formação de professores do ensino fundamental I e II em colégios de Joinville sobre direitos humanos, ética e cidadania. Paralelamente, busca-se a realização de parcerias com entidades e organizações nacionais e internacionais para a realização de projetos de litígio estratégico e advocacy em Direitos Humanos.
Em relação às atividades de PESQUISA, foram desenvolvidas algumas por meio de projetos das professoras coordenadoras que começaram a ser aprovados em editais de demanda interna.
O objetivo era começar a vincular atividades de ensino, pesquisa e extensão. O grupo é selecionado por edital semestral para 10 ou 15 estudantes da graduação do Direito, do 3º ao 9º período. A coordenação é feita por duas professoras, que têm carga horária específica a depender da aprovação anual do projeto pela pró-reitoria.
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
Compromisso com a justiça social.
É um pressuposto fundamental de uma CLÍNICA DE DIREITOS HUMANOS, pois é por meio dele que os estudantes participantes poderão ser formados efetivamente para serem protagonistas de mudanças sociais.
Percebe-se, com a análise das universidades, que os espaços foram construídos para fomentar a formação crítica do Direito, isto é, como meio para as mudanças sociais. O objetivo final de tais espaços tem sempre relação com temas sociais. Comprometem-se com a justiça e a transformação social.
Metodologia Participativa
O número de alunos, em geral, nas clínicas internacionais é de 10 a 15 alunos – um número restrito que viabilize a abordagem participativa em espiral, permitindo que o acompanhamento do professor a cada aluno seja mais próximo.
A metodologia mais adequada seria o método de problem solving (solução de problemas) em que fosse possível a escolha de casos emblemáticos que pudessem ter impacto coletivo. Para que seja possível utilizar-se de ambas as ferramentas, o ideal é que haja a proximidade do professor com os estudantes, para que possam, em conjunto, participar de todo o processo.
Articulação entre Teoria e Prática
O ponto fundamental é que a educação clínica em Direitos Humanos se propõe em um espaço alternativo que efetivamente promova a práxis, por meio de uma relação dialética. Todos os espaços analisados parecem de alguma forma, articular este pressuposto.
Cuida-se, entretanto, para não confundir o aprender a advogar, presente em uma educação clínica, com uma intervenção judicial. Essa disciplina já está presente nos cursos de graduação. Não seria coerente, portanto, a validação das horas das Clínicas como horas de prática em substituição ao escritório modelo, tendo em vista que a clínica é uma atividade alternativa e complementar – de forma que esta validação seria mais compreensível.
O foco da clínica deve ser justamente a reflexão sobre um caso de violação de Direitos Humanos, buscando intervenções práticas para sua solução, mas não a busca necessária de um litígio.
Integração entre Ensino, Pesquisa e Extensão
Importa que o estudante que participar da Clínica tenha a oportunidade de vivenciar a indissociabilidade dos três pilares. É natural que cada projeto demande especificamente um, dois ou os três pilares – o que importa é a experiência do estudante nos três, relacionando-os.
Nesse sentido, sugere-se como atividade de ENSINO uma disciplina optativa do currículo de direito. Nos casos analisados, faltou uma integração simultânea, um espaço de ensino no qual os estudantes pudessem, se reunir para realizar as atividades em conjunto.
No que tange à PESQUISA, parece ser esta a maior inovação na educação das clínicas em Direitos Humanos, tendo em vista que não é comum na educação clínica em outros países. A articulação entre graduação e pós-graduação pode ser o grande meio de viabilizar este pilar e a novidade pro das clínicas brasileiras.
Enfoque interdisciplinar
Será necessário que a clínica encontre uma forma de, na análise do caso emblemático concreto, buscar o diálogo com essas áreas e, de forma construtiva e criativa, encontrar uma síntese partilhada entre elas. A natureza do tema propicia a interdisciplinaridade.
Institucionalidade Formal e Reconhecimento na Universidade
A institucionalidade muito importa porque o tipo de reconhecimento dado pela universidade garante a autonomia e sustentabilidade de suas atividades, de forma a planejar e organizar-se melhor. Defende-se que as clínicas deveriam ser institucionalizadas para os cursos jurídicos dentro da grade curricular para garantir o espaço físico e uma carga horária para professores e estudantes.
Público-alvo Universitário
No Brasil, a formação das clínicas de direitos humanos advém, especialmente, dos programas de pós-graduação. Embora notável a integração, tendo em vista o contato com a área de pesquisa, mostra-se necessário que a atuação das clínicas seja direcionada aos estudantes da graduação para que possam, além de conhecer a teoria dos direitos humanos por meio do ensino tradicional, ter a oportunidade de associarem essa teoria com a prática de defesa dos Direitos Humanos e relacioná-las com outras áreas de saber.
Os professores coordenadores são todos vinculados aos programas de graduação ou pós-graduação em direito.
CONCLUSÃO
As Clínicas são alternativa para a formação de um novo tipo de profissional do Direito, o defensor de direitos humanos, seja de indivíduos ou de grupos vulneráveis e para o atendimento de demandas de proteção e promoção dos direitos humanos visando a busca pela Justiça Social. A existência de sete pressupostos caracteriza uma clínica: o compromisso com a justiça social, a metodologia participativa, a articulação da teoria com a prática dos direitos humanos, a integração das atividades de ensino, pesquisa e extensão, o enfoque multidisciplinar, a institucionalização formal e o reconhecimento na universidade e o público-alvo universitário.
O laboratório que é a Clínica define um espaço que agrupa pessoas qualificadas e de diferentes especialidades na busca de soluções para problemas específicos que lhes são trazidos, envolvendo atividade de pesquisa (busca de novos conhecimentos e novas soluções), ensino (formação e qualificação do grupo) e extensão (atendimento de demandas externas).
ANEXO I – Aprendizagem em Espiral (EQUITAS)
A aprendizagem em espiral inicia com os participantes compartilhando suas experiências. Após, aferem o que há em comum entre elas, e novas informações e teoria são acrescentadas por especialistas. Dessa junção, novas ideias são criadas coletivamente. Com essas ideias, há um planejamento que resulta na aplicação de uma prática planejada pelos participantes, usando do que aprenderam.
ANEXO II – Direitos Humanos e diálogo interdisciplinar: breves reflexões a respeito de uma interdisciplinar em formação
O propósito do artigo é apresentar o campo dos direitos humanos como inerentemente interdisciplinar. O estudo e formação dos direitos humanos demanda a cooperação de inúmeras áreas do conhecimento, sem a qual será fadada a incompreensão, incompletude.
O ponto de partida metodológico do artigo é a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, instrumento jurídico internacional, portanto do ramo do direito. O próprio texto e contexto do documento apontam uma abertura, visto que a dignidade é um conceito que evoca diversos outros campos epistemológicos, como a antropologia e a psicologia, e que no próprio ato da promulgação a Assembleia Geral da ONU destaca o papel a ser desempenhado pela educação na consolidação dos direitos humanos.
A interdisciplinaridade da matéria encontra-se justamente nessa mútua cooperação entre as diversas áreas, uma troca de mão dupla. No Brasil, a aprovação de diversos mestrados acadêmicos no campo interdisciplinar de direitos humanos corrobora essa perspectiva. Por fim, ressalta-se a importância do diálogo na fundação e condução de qualquer saber interdisciplinar.
Concluindo, o texto aponta um web-documentário como exemplo de uma nova metodologia no ensino e promoção dos direitos humanos: “Caminhos de Campo Alegre”. Na produção, composta por diversas narrativas pelos próprios sujeitos, se mapeia uma situação de violações de direitos humanos vividas pelos habitantes do assentamento rural de Campo Alegre, localizado no município de Nova Iguaçu – RJ.
Obrigada pessoal pela resenha! Divulgarei entre estudantes das clínicas jurídicas que trabalho. Ótimo trabalho! Abs, Fernanda Lapa