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A Opinião Consultiva N. 07/86 da Corte IDH: a resposta sobre o direito de resposta e a liberdade de expressão

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A Opinião Consultiva N. 07/86 da Corte IDH:

a resposta sobre o direito de resposta e a liberdade de expressão

 

 

Tayara Causanilhas[1]
Siddharta Legale[2]

     A Costa Rica solicitou a manifestação da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) sobre os limites e alcance do direito de resposta, amparado pelos arts. 1.1, 2 e 14 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH).Confira-se:

Artigo 14.  Direito de retificação ou resposta

  1. Toda pessoa atingida por informações inexatas ou ofensivas emitidas em seu prejuízo por meios de difusão legalmente regulamentados e que se dirijam ao público em geral, tem direito a fazer, pelo mesmo órgão de difusão, sua retificação ou resposta, nas condições que estabeleça a lei.
  2. Em nenhum caso a retificação ou a resposta eximirão das outras responsabilidades legais em que se houver incorrido.
  3. Para a efetiva proteção da honra e da reputação, toda publicação ou empresa jornalística, cinematográfica, de rádio ou televisão, deve ter uma pessoa responsável que não seja protegida por imunidades nem goze de foro especial.

     O Estado da Costa Rica solicitou a Opinião Consultiva n. 07 (OC-07/86), justamente para esclarecer e desentranhar o sentido das expressões destacadas acima: “legalmente regulamentadas”, “responsabilidades legais” e “efetiva proteção”. Realizou especificamente as seguintes três perguntas:

  1. O direito está consagrado no artigo 1 e 14 da CADH e está garantido em seu livre e pleno exercício a todas as pessoas que se encontram sob a jurisdição costarriquense?

  2. No caso de negativa, tem o Estado tem o dever jurídico internacional de adotar, sob cuidado de suas previsões constitucionais, as medidas legislativas ou de outro caráter que forem necessárias para fazer efetivo o direito de retificação ou resposta previsto no artigo 14 da CADH?;

  3. A expressão “lei” que figura ao final do parágrafo primeiro do artigo 14 está sendo usado em sentido amplo, de forma que disposições do executivo para assegurar o efetivo direito de resposta sobre o caráter regulamentar seriam suficientes?

     Quanto à primeira pergunta, a Corte IDH conclui que, no caso, não há obscuridade a ser interpretada, já que o direito de resposta está, de fato, consagrado na CADH.  Destacou que a interpretação o art. 14.1. da CADH deve ser realizada a partir das diretrizes de interpretação do art. 31 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (CVDT), cujo artigo 31 impõe que o tratado deverá ser interpretado, em caso de dúvida, de boa-fé, a partir do sentindo usual das palavras e tendo em vista o contexto e a finalidade do mesmo.

     Em relação à segunda, a Corte IDH esclarece que os Estados Partes estariam facultados a dispor por lei sobre o direito de resposta. Não estão obrigados, ainda assim, a garantir especificamente na Constituição ou por meio lei aprovada pelo Parlamento. No entanto, caso regulassem o direito à liberdade de expressão, os Estados deveriam regular o direito de resposta em função da intrínseca correlação entre ambos.

     Quanto ao último questionamento, a Corte IDH esclarece que a CADH não especifica como será assegurado o direito da resposta. Reconhece, porém, que o artigo 14(1) disponha que seja “nos termos que estabeleça a lei”, sendo que isso significa o estabelecimento das condições para o exercício desse direito, cujo conteúdo pode variar de um Estado para outro, dentro dos limites razoáveis e dos marcos e conceitos afirmados pela jurisprudência Corte IDH.  Ainda assim, enfatiza que esse direito deve estar disponível a qualquer pessoa. Do contrário, a CADH estaria violada.

     Os juízes Nieto Navia e Pedro Nikken consideram, no entanto, que a pergunta não está formulada nos termos de compatibilidade ou incompatibilidade de uma lei específica com a CADH. A pretensão da OC, na realidade, seria a definição de tais direitos como garantidos na jurisdição costarriquense. Nessa linha, destacam que a segunda pergunta envolve se o Estado tem o dever jurídico de adotar as medidas necessárias para garantir e tornar efetiva as obrigações que irradiam da CADH, de acordo, tanto com o art. 2, quanto com o artigo 43 da mesma. Registram, ainda, que o vocábulo “lei”, neste caso,  refere-se à lei em sentido amplo, seja por meio de legislação, seja por quaisquer outras medidas necessárias. Concluem que o essencial é a convergência entre as diversas normas e condições para o efetivo exercício do direito de resposta no âmbito interno.

     Em sentido semelhante, Thomas Buergenthal posicionou-se no sentido de que o art 14 da CADH faculta diferentes formas de implementação do direito de resposta do plano interno. O Estado poderá fazê-lo por via legislativa, administrativa ou judicial. Em qualquer hipótese, tal opção será um assunto de direito interno.

     O juiz Hector Gros Espiell, por sua vez, fundamentou seu voto de maneira distinta, especialmente em relação à terceira questão. Em primeiro lugar, criticou os meios utilizados pela Corte IDH como supérfluos. Em segundo, consignou outros critérios, aludindo à OC-05/85[3], como a dupla dimensão do direito de resposta. De um lado, a dimensão individual garante ao afetado por uma informação inexata a possibilidade de expressar-se acerca do assunto. Por outro lado, a dimensão social de resposta permitindo a cada um dos integrantes da comunidade receber a nova informação que contradiga a primeira, inexata e gravosa.

     O juiz dissidente argumenta que as leis dos Estados são a maneira concreta como garantem os direitos humanos, que se farão eficazes na conformidade a CADH. Essa obrigação de adotar os meios eficazes de proteção, exigidos justamente no art. 2 da CADH, não esvazia a necessidade de normas para a aplicação das disposições da Corte IDH.

     Rodolfo Piza Escalante, por sua vez, proferiu voto dissente de forma ainda mais explícita. Afirma que as respostas a primeira e a segunda pergunta são praticamente uma reprodução da CADH. Em seguida, diverge da tese da maioria de que seria indiferente ao direito internacional à forma de efetivação do direito de resposta. Defende que a lei em sentido formal é a melhor forma para assegurar a efetividade dos mesmos a partir de uma leitura que conjuga o art. 2 e 14 da CADH à luz do princípio pro persona, do art. 29 da CADH, que impõe a escolha da norma mais favorável.

     Por fim, vale destacar dois pontos numa análise breve. O primeiro é a possibilidade de compreender que, embora não se tenha abordado expressamente na sentença da Corte IDH o conceito de margem de apreciação nacional[4], quando se tomou a decisão de que cada Estado pode optar por prever o direito de resposta na sua Constituição, na lei, em decreto ou deixar a cargo da proteção pela via judicial, isso significa abrir uma margem ampla de apreciação de cada estado de como interpretará e aplicará o art. 14 da CADH.

     O segundo ponto diz respeito ao diálogo de cortes entre o Supremo Tribunal Federal e a Corte Interamericana de Direitos Humanos[5]. No caso, a OC-7/86 foi citada corretamente pelo Min. Celso de Mello no voto do julgamento da ADPF 130[6]. O Ministro do STF destacou que a própria Corte IDH determina que se aplica o art. 1 e 2 da CADH, relativos à obrigação de proteger direitos e de prever normas de direito interno, de forma compatível com o objeto e finalidade do tratado, sem especificar os meios. Chega até a citar trecho do voto do magistrado da Corte IDH, Rodolfo E. Piza Escalante, de que “nada impede respeitá-lo ou garanti-lo, vale dizer aplica-lo e ampará-lo, ainda que não haja lei que o regulamente por meio de simples critérios de razoabilidade.”.

     O STF e a Corte IDH convergiram sobre o dever do Estado de adotar, com respeito aos seus procedimentos constitucionais, as medidas legislativas ou de outro caráter, que forem necessárias para tornar efetivo o direito a retificação ou resposta previsto no art. 14, com base no art. 2 da CADH, sem que isso implique necessariamente adoção de uma lei, desde que se respeite o princípio da razoabilidade[7].

 

COMO CITAR ESTE ARTIGO:

LEGALE, Siddharta; CAUSANILHAS, TayaraA Opinião Consultiva N. 07/86 da Corte IDH: a resposta sobre o direito de resposta e a liberdade de expressão. Disponível : <https://nidh.com.br/oc7/ > Acesso: <>

LEIA MAIS:

LEGALE, Siddharta; CAUSANILHAS, Tayara. A Opinião Consultiva N. 05/85 da Corte IDH: dimensões e restrições da liberdade de expressão. Disponível em: < https://nidh.com.br/oc5/ > Acesso em :<>

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[1] Professor adjunto de Direito Constitucional da FND-UFRJ. Coordenador do Núcleo Interamericano de Direitos Humanos. E-mail: [email protected]

[2] Monitora de Direito Constitucional I e II. Pesquisadora PIBIC-UFRJ. Acadêmica da FND-UFRJ. E-mail: [email protected]

[3] Para uma análise mais detalha, cf. LEGALE, Siddharta; CAUSANILHAS, Tayara. A Opinião Consultiva N. 05/85 da Corte IDH: dimensões e restrições da liberdade de expressão. Disponível em: < https://nidh.com.br/oc5/ >

[4] SALDANHA, Jânia Maria Lopes; BRUM, Marcio Morais. A margem de apreciação nacional e sua inaplicação pela Corte Interamericana de direitos humanos em matéria de anistia. Anuário Mexicano de Derecho Internacional vol. XV, 2015, p. 195-238. Disponível em: http://biblio.juridicas.unam.mx/revista/pdf/DerechoInternacional/15/dtr/dtr6.pdf BASTOS Netto, Cláudio  Cerqueira. O princípio da margem de apreciação nacional: em busca do terreno comum. Revista da Secretraria Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul. Año 6, Nº 11; Abril 2018

[5] Para um primeiro contato sobre o tema, recomenda-se pelo síntese extremamente didática, cf. MARTINS DE ARAUJO, Luis Claudio. O Diálogo Institucional entre Cortes Constitucionais: uma nova racionalidade argumentativa da jurisdição constitucional justificada pelos diálogos institucionais transnacionais. Revista da AGU, v. 39, p. 225-252, 2014. Para uma análise profunda e exaustiva sobre o tema dos diálogos entre Cortes Constitucionais entre si ou com Cortes Internacionais, vale conferir a excepcional tese de doutorado de Cf. MARTINS DE ARAUJO, Luis Claudio. Constitucionalismo transfronteiriço, direitos humanos e direitos fundamentais: a consistência argumentativa da jurisdição de garantias nos diálogos transnacionais. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. Em que pese abordar a jurisprudência estrangeira e não necessariamente a das Cortes Internacionais, os modelos de diálogo e os parâmetros desenvolvidos brilhantemente pelo prof. Guilherme Peña parecem que podem ser apropriados e valem ser assimilados para entender a questão. Cf.  MORAES, Guilherme Peña de . Constitucionalismo Multinacional: uso persuasivo da jurisprudência estrangeira pelos tribunais constitucionais. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

[6] Para uma análise do acórdão, chamando a atenção para a questão do direito de resposta, cf. LEGALE, Siddharta; DORE FERNANDES, Eric Baracho . Comentários à ADPF nº. 130: Parâmetros para as decisões após a não recepção da Lei de Imprensa. RDM Universidade Federal Fluminense , v. 5, p. 104-137, 2009.

[7] Para uma análise mais detalhada, cf. LEGALE, Siddharta. A Corte Interamericana como Tribunal Constitucional Transnacional. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado em Direito Internacional defendida na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), 2017, capítulo 5.

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