JOSÉ DUTRA DA COSTA VS BRASIL (2008):
O SINDICALISTA ASSASSINADO NA LUTA CONTRA O TRABALHO ESCRAVO [1]
Lucas Arnaud*
Os fatos se referem ao assassinato de José Dutra da Costa em 21 de novembro de 2000. A vítima era líder sindical e exercia o cargo de presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará.
Segundo a petição apresentada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 9 de dezembro de 2004, o Sr. Dutra da Costa exercia inúmeras atividades na representação e defesa de trabalhadores rurais no estado do Pará, tendo denunciado às autoridades atos de trabalho escravo e a existência de cemitérios clandestinos em propriedades privadas, além de ter motivado trabalhadores a ocupar terras adquiridas ilegalmente por fazendeiros.
A vítima teria passado a receber ameaças para que parasse de atuar no sindicato, de realizar denúncias e de promover a ocupação de terras. Segundo os peticionários, a vítima atribuía essas denúncias a um grupo de fazendeiros da região, encabeçado por Josélio de Barros Carneiro e Décio José Barroso Nunes.
No dia 21 de novembro de 2000, segundo testemunhas, José Dutra da Costa foi alvejado três vezes em frente à sua residência. A vítima, contudo, engajou-se em uma luta com o autor dos disparos, tendo conseguido atirá-lo em um poço antes de falecer em decorrência dos ferimentos. O autor, que ficou preso no poço e impedido de escapar, foi, então, detido em flagrante e identificado como Wellington de Jesus Silva.
Segundo os peticionários, as investigações foram suspensas logo após serem iniciadas e foram retomadas somente após trabalhadores rurais localizarem uma testemunha-chave. No dia 1º de dezembro, as autoridades concluíram a investigação, indicando como autor material Wellington de Jesus Silva, como intermediários Givaldo José Pereira, Ygoismar Mariano da Silva e Rogerio de Oliveira Dias e como autor intelectual Decio José Barroso Nunes.
No dia 7 de dezembro, o Ministério Público apresentou denúncia contra as pessoas citadas acima, com exceção de Givaldo José Pereira, dando início à Ação Penal No. 046/000. Posteriormente, também foram denunciados pelo crime, em expediente separado, Lourival de Souza Costa e Domício de Souza Neto.
O único a ser julgado pelo crime foi Wellington de Jesus Silva, autor material, que foi condenado em primeira instância, em 13 de novembro de 2006, e em segunda instância, em, 12 de abril de 2007. Contudo, em dezembro de 2007, o condenado foi autorizado a sair da penitenciária para passar os feriados de fim de ano com sua família e não retornou ao cárcere, estando foragido desde então.
Em relação ao autor intelectual, Décio José Barroso Nunes, o juiz decidiu, em 26 de março de 2007, pela impronúncia. O assistente de acusação recorreu da decisão, que até 27 de maio de 2008 ainda estava pendente.
Os peticionários alegam a violação dos artigos 4º, 5º, 8º e 25 da CADH devido ao fato do Estado não ter adotado medidas preventivas para garantir o direito à vida da vítima e também pelo fato de o crime ter ficado impune até aquela data. Alegam ainda a violação do artigo 7º da CADH devido a uma prisão decretada contra o José Dutra da Costa supostamente pelo mero fato de ele ter emitido declarações à imprensa sobre um despejo forçado de trabalhadores sem terra.
O Estado alegou que a petição é inadmissível devido ao não esgotamento dos recursos internos, pois não haveria demora injustificada e todos os esforços para solucionar a questão estariam sendo adotados. À época, alegou que Domício de Souza Neto havia sido localizado, preso e seu processo estava em fase de instrução criminal, que os processos em relação a Ygoismar Mariano da Silva e Rogerio de Oliveira Dias estavam suspensos para evitar a prescrição, que não houve indícios suficientes para constatar a participação de Givaldo José Pereira e de Lourival de Souza Costa no crime e que a decisão final sobre o julgamento de Décio José Barroso Nunes ainda estava pendente. Por fim, em relação à alegada violação do artigo 7º, o Estado alegou que a petição foi extemporânea, não cumprindo o requisito do artigo 46.1.b da CADH.
A CIDH decidiu que possui competência em razão da pessoa, tempo, matéria e lugar para analisar o caso.
Em relação ao esgotamento dos recursos internos, a CIDH entendeu que os peticionários não tinham demonstrado ter acionado nenhum recurso interno em relação à violação do artigo 7º especificamente, de modo que a petição era inadmissível em relação a esse artigo. Em relação a todos os demais, a CIDH declarou a petição admissível, aplicando a exceção do artigo 46.2.c da CADH devido à demora injustificada no julgamento dos culpados. A CIDH também entendeu que a petição foi apresentada em um prazo razoável desde o acontecimento dos fatos e que não há informação de que a matéria da petição se encontre pendente de decisão em outro órgão decisório internacional.
Por fim, a CIDH declarou que a petição é admissível em relação aos artigos 4º, 8.1 e 25 da CADH, relacionados ao artigo 1.1 do mesmo instrumento, e, ainda, com base no princípio iuri novit curia, em relação aos artigos 16 e 5º da CADH, este último especificamente em relação à esposa do Sr. Dutra da Costa. A CIDH declarou a petição inadmissível, contudo, em relação à alegada violação do artigo 5º da CADH em relação ao Sr. Dutra da Costa.
Em 16 de dezembro de 2010, o Estado brasileiro firmou acordo de solução amistosa com a CIDH, reconhecendo a responsabilidade pela violação à vida, à integridade pessoal, à liberdade de associação, à proteção e às garantias judiciais e da obrigação estatal de garantir e respeitar os direitos, todos assegurados pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação à vítima do presente caso e seus familiares. Diante disso, o Brasil se comprometeu a adotar uma série de medidas, como: uma cerimônia oficial de pedido de desculpas, prioridade na tramitação da investigação sobre o caso, a construção de um memorial “em homenagem à luta pela posse da terra”, indenização pecuniária dos familiares da vítima, entre outros[2].
Em 24 de outubro de 2013, Lourival de Souza Costa e Domício de Souza Neto foram absolvidos pelo tribunal do júri, por insuficiência de provas. O ministério público recorreu da decisão[3]. Em 14 de agosto de 2019, Décio José Nunes foi condenado a 12 anos de reclusão em regime fechado pela autoria intelectual do crime. Atualmente, ele recorre em liberdade da decisão[4].
É possível notar que, apesar do acordo de solução amistosa firmado, diversas medidas que o Estado brasileiro se comprometeu a adotar ainda não foram plenamente efetivadas, permanecendo viva a luta da família pela plena reparação das violações cometidas.
COMO CITAR
ARNAUD, Lucas. José Dutra da Costa vs Brasil (2008): o sindicalista assassinado na luta contra o trabalho escravo. Casoteca do NIDH. Disponível : https://nidh.com.br/?p=6532&preview=true
LEIA MAIS
ARNAUD, Lucas. Margarida Maria Alves vs Brasil (2008): sindicalismo, gênero e uma nova marcha. Casoteca do NIDH. Disponível em: https://nidh.com.br/?p=6538&preview=true
* Mestre em Direito Internacional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected]
[1] RELATÓRIO Nº 71/08. PETIÇÃO 1290-04. ADMISSIBILIDADE. JOSÉ DUTRA DA COSTA Vs. BRASIL.16 de outubro de 2008. Disponível em: https://cidh.oas.org/annualrep/2008port/Brasil1290.04port.htm
[2] O acordo está disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/diarios/28796358/pg-3-secao-3-diario-oficial-da-uniao-dou-de-27-07-2011 e https://www.jusbrasil.com.br/diarios/29104851/pg-3-caderno-2-diario-oficial-do-estado-do-para-doepa-de-04-08-2011. Acesso em 13 abr. 2020.
[3] G1 PA. Réus acusados de participação na morte de Dezinho são absolvidos. 24 abr. 2013. Disponível em: g1.globo.com/pa/para/noticia/2013/10/reus-acusados-de-participacao-na-morte-de-dezinho-sao-absolvidos.html. Acesso em 13 abr. 2020.
[4] MPPA. Acusado de mandar matar o líder sindical José Dutra é condenado a 12 anos de reclusão. 14 ago. 2019. Disponível em: https://www2.mppa.mp.br/noticias/acusado-de-mandar-matar-o-lider-sindical-jose-dutra-e-condenado-a-12-anos-dereclusao.htm. Acesso em 13 abr. 2020.