Ana Clara Motta[1]
Tayara Causanilhas[2]
Siddharta Legale[3]
O caso Miguel Castro vs Peru (2006) da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) é emblemático por inúmeros motivos. Em primeiro lugar, é o caso mais conhecido em matéria de garantia dos direitos humanos das pessoas privadas de liberdade. Em segundo lugar, é um dos primeiros casos a abordar diretamente a questão da violência de gênero nesse âmbito. Em terceiro lugar, integra o ciclo de casos peruanos que versam sobre as violações ao acesso à justiça, assegurada nos arts. 1, 2 8 e 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH)[4]. Nesse ponto, a questão temporal e do relacionamento entre a CADH e a Convenção de Belém do Pará (CBP) de direitos da mulher sobressai, porque, embora esta seja posterior, ela é utilizada para interpretar mais favoravelmente o direito à integridade física das vítimas em razão da específica violência, o que gera dúvidas sobre a possibilidade de aplicação.
No dia 6 de maio de 1992, começa a ser colocado em ação um plano de remoção de presos do Presídio Miguel Castro, no Peru. É importante ressaltar que o país vivia uma crise constitucional, depois que o então presidente Alberto Fujimori, com apoio das forças armadas, dissolve o Congresso e intervém no Poder Judiciário, fazendo as vestes de ditadura – dado o episódio violento e inconstitucional de sua tomada de poder, inclusive com restrição de emissoras de rádio, canais de televisão e jornais. Destaca-se, especialmente nesse caso, a terrível perseguição de membros contrários a sua instituição de poder.
Algumas internas, presas políticas, que estariam no Pavilhão “1A” para um presídio feminino, bem como de alguns presos de outros pavilhões, também presos políticos, não necessariamente julgados, são acusados de realizar um motim. Antes, contudo, sofrem, sobre pretexto de transferência, graves violações aos seus direitos. São duas as “tentativas” de transferências sem que sejam avisados os familiares e sem que sejam respeitados os mais básicos direitos, com episódios de tortura e descaso com o ser humano.
Fala-se, como escusa, um motim. A hipótese é, inclusive, descartada por Luis F. Jiménez, testemunha ocular dos fatos de maio de 1992, advogado da Secretaria Executiva da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) no momento dos fatos, testemunha do caso, que esteve no presídio na data dos episódios. Além disso, os demais testemunhos falam em uma invasão dos pavilhões com armas, granadas, gases tóxicos, etc. que podiam ser ouvidos, inclusive, dos outros pavilhões. Contra os presos políticos foi feito um verdadeiro massacre, ordenado pelo então presidente e coordenado pelo Coronel Gabino Cajahuanca, então diretor do presídio. O caso pauta-se, então, na grave violação de direitos humanos, envolvendo tortura e culminando no massacre dos presos políticos, bem como sua posterior estigmatização e o peso que isso se torna para as famílias.
A Sentença da Corte IDH decide a violação, pelo Estado do Peru, no que tange o direito à vida dos 41 internos mortos, violando, portanto, o artigo 4 combinado com o artigo 1 (1) da Convenção; o Direito à Integridade Pessoal, artigo 5 (1) e (2), bem como nos artigos 1, 6 e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura dos mortos e dos sobreviventes, bem como em prejuízo dos familiares dos internos; os Direitos às Garantias Judiciais e à Proteção Judicial, previstos nos artigos 8 (1) e 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH).
A Corte IDH combinou a violação aos dispositivos da CADH com o artigo 7 da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, e os artigos 1, 6 e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, no que tange aos familiares, aos mortos e aos internos sobreviventes, determinando, ainda, a investigação efetiva e em prazo razoável dos fatos denunciados, para que sejam identificados e punidos os agentes participantes das violações.
No plano da responsabilização e reparação, determinou-se que o Estado garantisse a entrega dos restos mortais de todos os internos mortos aos seus familiares; a realização de ato público com a finalidade de que seja reconhecida a responsabilidade estatal nas violações; a oferta gratuita de tratamento médico e psicológico às vítimas e familiares; a criação e implantação de programas de educação em Direitos Humanos, destinados aos agentes das forças de segurança peruanas; a inscrição dos nomes de todas as vítimas em um monumento público denominado “O Olho que Chora”.
A divulgação dos fatos provados na sentença da Corte IDH deve ocorrer em Diário Oficial e em emissoras de rádio e televisão de ampla cobertura nacional; e a fixação de quantias para indenização a título de dano material e imaterial às vítimas.
A Corte IDH fundamenta sua decisão em relação aos artigos 4 e 1.1 da CADH, dando à situação escopo de massacre. Deixa claro que desacreditar a existência de qualquer perigo por parte dos internos, de forma que a conduta do Estado não fora uma mera repressão, mas sim um ataque contra a vida e a integridade humanas com suspeitas de que o episódio foi planejado.
Segundo as considerações da Corte IDH, o Estado peruano reconhecera sua responsabilidade internacional ao relatar alguns acontecimentos, e ocorreu, uma sistemática violação de Direitos Humanos, considerado que o direito à vida é pressuposto essencial para todos os direitos. Cabe ao Estado garantir esse direito, impedindo que qualquer ação estatal venha a violá-lo, bem como garantir e permitir que haja exercício dos direitos envolvidos no caso, sem restrição. Tais obrigações não se limitariam ao Poder Legislativo, abrangendo a todos os âmbitos e as nuances estatais, como o Judiciário e a Administração Pública. Ocorreria, por exemplo, com a limitação às forças armadas, de modo a prevenir execuções arbitrárias – recorrendo ao uso da força tão somente para a garantia dos direitos mais fundamentais, como o direito à vida – ressalvadas, no voto, ainda, as hipóteses de uso de armamento apenas após esgotados os meios alternativos de imperativo do Estado.
No caso, o uso de armamentos foi feito sem que objetivasse a proteção de direitos básicos e, gravemente, foi feito para atingir cidadãos dos quais não houve resistência, ou possibilidade de resistência, comprovado. O uso da força não teria sido proporcional à resistência e, ainda, a maneira como foi aplicada, um ataque sem alardes, de súbito, não possibilitou sequer a resistência. Apenas a sobrevivência dos que tiveram sorte.
Na análise de laudos, fica nítida a intenção do uso da força, dados os ferimentos de balas em regiões fatais não só nos corpos como também em alguns sobreviventes. Distancia-se da repressão ou imobilização de uma suposta revolta, hipótese levantada pelo Estado. A Corte IDH reconhece a possibilidade de vítimas sem identificação, duvidando do pleno cumprimento do dever estatal de amparo e comunicação às famílias. Considera-se, assim, o Estado responsável por violar os artigos 4.1 e 1.1 da Convenção.
Ao analisar o artigo 5 da CADH, cujo direto tutelado é o da Integridade Pessoal, consideram os juízes da Corte de que as vítimas da situação no presídio, sejam os mortos ou os feridos, bem como seus familiares tiveram algum prejuízo no que tange a tutela desse direito. Podem, portanto, alegar direitos diferentes da Comissão, que argui um pedido mais genérico – de forma que sejam mais ou menos específicos na esfera material do artigo 5 – e, ainda assim, a Corte terá competência para decidir sobre, especialmente exercendo a competência material para Prevenir e Punir Tortura.
Apesar do Estado do Peru ter reconhecido os acontecimentos entre os dias 6 e 9 de maio de 1992, o fato de não ter reconhecido as violações posteriores leva a Corte IDH a considerar o artigo 5. Considera-se também a tutela de violações ao direito da mulher, tendo em vista o grande número de detentas envolvidas no conflito. Há de se considerar o caráter de descriminação em razão de serem mulheres, visto que como relatado pela Defensoria Pública do Peru, houve um tratamento mais cruel a partir dessa mudança, mostra a relação com ter sido no pavilhão feminino o início do ataque das forças armadas. Reafirma-se, ainda, a proibição da tortura para além da Convenção ratificada pelo Peru, mas como jus cogens, e considera o Estado responsável pelas violações ditas.
A Corte IDH considera as alegações feitas pela interveniente comum de que os presos estariam ali sem sentença condenatória e, além disso, o Estado os teria tratado como terroristas, bem como a posterior repercussão midiática que estigmatizou muitos desses, teriam morrido taxados de um crime que nem ao menos houve trânsito em julgado. Por ausência de provas, a Corte não pôde responsabilizar o Estado Peruano.
Haveria uma violação aos artigos 8 (garantias judiciais) e 25 (proteção judicial) visto que só após 13 anos teria sido aberto o primeiro processo penal referente ao caso buscando os responsáveis, o que estaria longe da razoabilidade, principalmente somado ao tempo do processo propriamente dito. Há também uma crítica a falta de cuidado com as provas, tornando impossível ter acesso a elas transcorridos tantos anos desde o acontecimento, ressalta ainda que o local foi incinerado, prejudicando assim uma investigação, violando assim o acesso à justiça.
No voto fundamentado do Juiz Sergio García Ramírez, questionam-se basicamente dois pontos analisados pela Corte IDH na referida Sentença: a aplicação, por parte do Tribunal, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção do Belém do Pará) e, ainda, à ida em reclusão dos indivíduos responsabilizados ou não penalmente.
No que tange a aplicação da Convenção do Belém do Pará entendendo como direitos tanto os aspectos compartilhados aos gêneros quanto os especificamente garantidos às mulheres, e por isso a aplicação da Convenção do Belém do Pará, questiona-se basicamente a competência da Corte IDH para arguir os direitos da mulher, tendo em vista que quem levanta a possibilidade são os juízes e este seria um procedimento declaratório.
Surge a dúvida se poderia, então, a Corte formular a declaração relativa a esse dano para, posteriormente, dispor condenatoriamente? Entende o juiz que não. A ordem jurisdicional é criada e constitui uma imensa garantia para os acusados. Um tribunal deve explorar o universo normativo em resposta, sem arbítrio de escolhas dos temas aos quais há de se referir na sentença. No mais, fundamenta o juiz, no título “Mecanismos internacionais de proteção”, a Convenção de Belém do Pará se refere à faculdade dos Estados, que nela são Partes, e da CIDH de solicitar à Corte IDH uma opinião consultiva sobre a interpretação da própria CADH, sem mencionar a Corte IDH.
Quanto à reclusão, ou ao que o juiz chama de emprego da força contra pessoas privadas de liberdade, a Corte IDH voltaria a ocupar-se de um tema enfatizado em numerosas resoluções. Os fatos violadores dos direitos humanos – a reclusão inapropriada e o emprego excessivo da força – ocorridos em uma instituição penal devem ser observados por aqueles que se sujeitam ao controle de jure e de facto dos direitos dos que se sujeitam a especial dependência. Ressalta o juiz a recorrência do tema na Corte IDH e sua repercussão material, de forma a ressaltar uma preocupação mais latente ao cuidado de tais situações.
Já Cançado Trindade, em seu voto fundamentado, busca acrescentar reflexões aos temas que tratam a Sentença, tendo em vista sua especial relevância. São oito os pontos aos quais se refere: o tempo e o Direito, agora e sempre; novas reflexões sobre o tempo e o Direito; o tempo e a defesa dos direitos; os fatos e os sujeitos do direito; o surgimento da responsabilidade internacional do Estado e o princípio da proporcionalidade; a recorrência do crime de Estado: o pensamento jurídico esquecido; a necessidade e a importância da análise de gênero; e oprimidos e opressores: a dominação insustentável e o primado do Direito, nos quais faz considerações especialmente quanto à interpretação das normas jurídicas contextualizadas.
Partindo dessa estrutura, Cançado Trindade destacou, inicialmente, que o prolongado tempo de demora no julgamento do caso impacta mais fortemente os grupos vulneráveis afetados e que, portanto, não é um tempo meramente cronológico, já que o sofrimento se amplia com o decurso do tempo sem um desfecho. Em seguida, destacou que a ausência de uma cláusula específica de aceite da jurisdição da Corte das Convenções, como a de Belém do Pará, não impedem o conhecimento do caso. Pelo contrário, a Corte IDH tem reconhecido inúmeras violações devido a conexão interpretativa com a CADH com uma série de outras convenções de direitos humanos, como a sobre a tortura ou o desaparecimento forçado. Vale destacar do voto o seguinte parágrafo:
58. El presente caso no puede ser adecuadamente examinado sin un análisis de género. Recuérdese que, como paso inicial, la Convención de Naciones Unidas sobre la Eliminación de Todas las Formas de Discriminación contra la Mujer (CEDAW, 1979) avanzó una visión holística de la temática, abordando los derechos de la mujer en todas las áreas de la vida y en todas las situaciones (inclusive, agregaría yo a la luz del cas d’espèce, en la privación de la libertad); la Convención clama por la modificación de patrones socio-culturales de conducta (artículo 5), y destaca el principio de la igualdad y no-discriminación49, – principio este que la Corte Interamericana ya determinó, en su trascendental Opinión Consultiva n. 18 (del 17.09.2003) sobre la Condición Jurídica y Derechos de los Migrantes Indocumentados, que pertenece al dominio del jus cogens (párrs. 97-111)50.
De fato, Cançado Trindade está correto. Não há como analisar o presente caso de violação a direitos sem uma análise específica de gênero, porque a violação tem um impacto desproporcional em relação às mulheres. As alegações de obstáculos intertemporais por parte do Estado do Peru são, de fato, descabidas.
As interpretações da CADH devem levar em os avanços a respeito que tem na Convenção de Belém do Pará um marco importante, mas não o único. Tanto é que a Convenção das Nações Unidas contra a discriminação da mulher data de 1979 já previa a violência de gênero, assim como a Opinião Consultiva n. 18 da própria Corte IDH enfatiza o papel do princípio da igualdade como uma norma imperativa de direito internacional e de 2003. A decisão da Corte IDH, portanto, foi emblemática e fundamental para defesa de direitos humanos das pessoas privadas de liberdade e para combater, nesse âmbito e para além, a violência de gênero.
[1] Monitora de Direito Penal. Pesquisadora do NIDH-FND. E-mail: [email protected]
[2] Monitora de Direito constitucional. Pesquisadora do NIDH-FND. E-mail: [email protected]
[3] Professor adjunto de Direito Constitucional da FND-UFRJ. Coordenador do NIDH-FND. E-mail: [email protected]
[4] LEGALE, Siddharta. A Corte Interamericana como Tribunal Constitucional Transnacional. Rio de Janeiro: tese de doutorado pela UERJ, 2017, capítulo 2.
Escolhi o caso Miguel Castro vs Peru (2006) da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) por se tratar de um caso, como o próprio texto diz, emblemático. Pois trata de pessoas privadas de liberdade, da violência de gênero e da falta de garantias de direitos fundamentais para presos políticos.
Observa-se que as presas políticas no Peru sofreram sobre um pretexto de transferência graves violações, resultando não somente em mortes das detentas, como de outros detentos, chegando a morte de 41 pessoas, com violações combinadas em diversos tratados, desde Convenção Interamericana de Direitos Humanos, questões que versam sobre o direito a Integridade Pessoal, Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura dos mortos e dos sobreviventes, Direitos às Garantias Judiciais e à Proteção Judicial, e por fim da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. Par este temos um fundamento lógico Sistemático na busca por reparações, havendo a busca na conexão das normas jurídicas.
Temos também uma ampliação das normas em busca da reparação, pois verificou-se no caso concreto uma demora excessiva do governo peruano na busca da verdade dos graves danos causados e da sistemática violação de Direitos Humanos.
Por fim verificamos que o prolongado tempo de demora no julgamento impactou de forma significativa os grupos vulneráveis e que o sofrimento se alongou com o passar dos anos sem uma definição e a reparação do caso. Verificou-se ainda em seguida, que a ausência de uma cláusula específica de aceite da jurisdição da Corte das Convenções, como a de Belém do Pará, não impedem o conhecimento do caso, segundo Cançado Trindade.
Acerca do texto deve-se considerar mais de um tipo de interpretação hermenêutica, principalmente quando uma corte internacional de direitos humanos julga um estado que também interpretou e violou os direitos humanos no âmbito de sua soberania.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos interpretou que a conduta do estado do Peru não era mera repressão a presos, mas sim, tratava-se de massacre, tortura, violação a direitos humanos, violação ao acesso à justiça, estigmatização, além da violência de gênero contra as mulheres.
Para tal, tomou por base a Convenção Americana de Direitos Humanos, A Convenção de Belém do Pará(direitos da mulher) e atos normativos da própria corte. Bem como, considerou outras normas de caráter Jus Cogens, que são normas que obrigam a todos os estados sem que necessariamente estejam escritos em um tratado de direito internacional.
Quanto ao agente, trata-se da interpretação judicial, visto que emanou de uma corte de direito internacional.
Quanto a espécie, em relação a interpretação de que houve massacre, tortura e estigmatização, pode se considerar que há uma interpretação sistemática e teleológica das convenções internais acerca dos direitos humanos.
Quanto a violação aos direitos dos presidiários, violência de gênero e violação ao acesso à justiça, deve-se considerar acima de tudo uma interpretação histórica de tais direitos, que interpretam de forma a considerar os avanços que tais direitos humanos alcançaram e que não podem retroceder meramente por questões interpretativas, principalmente quando interpretados por uma Corte Internacional de Direitos Humanos. Vele ressaltar que parte da interpretação histórica traz consigo um conteúdo de interpretação sistêmica, lógica, teleológica e de direito comparado.
Quanto à extensão, trata-se da interpretação progressista, uma vez que considera os avanços que tais direitos alcançaram ao longo dos tempos.
Quanto a interpretação constitucional dada pela Corte (IDG) certamente levou em consideração uma interpretação histórica, social e neoconstitucional das normas constitucionais peruanas relativas a direitos humanos, violência de gênero e violação de acesso à justiça.
O Caso Miguel Castro vs Peru (2006) da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) é representativo por vários motivos. O Governo Peruano em maio de 1992, ordenou a transferência de presas do Miguel Castro para um presídio feminino, o que gerou uma rebelião entre os internos. Forças especiais da Polícia e do Exército invadiram, com granadas e tiros o pavilhão onde membros do grupo rebelde estavam, causando a morte de 42 presos e deixando vários feridos. Diante da exiguidade do Governo Peruano em solucionar o caso de forma lógico-sistemática, o caso foi levado a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que analisou o caso e determinou ao Estado do Peru o cumprimento das investigações para identificar os responsáveis. A comissão Interamericana de Direitos Humanos submeteu perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos uma demanda declarativa contra o Estado do Peru, alegando que o Estado era responsável pela violação de inúmeros artigos da Convenção Americana de Direitos Humanos.
Nada é mais complicado do que compreender o momento histórico com a lucidez necessária para enfrentar seus desafios. É bem mais tranquilo olhar hoje para décadas passadas e perceber os equívocos que nos fizeram mergulhar em períodos autoritários. No calor da hora, sobretudo quando os ataques a direitos liberais e sociais somam-se dia a dia, é complicado estabelecer um raciocínio que abranja todas as questões envolvidas e compreenda o que realmente está em jogo.
Ainda assim, não é possível calar sobre o que está ocorrendo no Brasil de 2018.
Atualmente o mecanismo autoritário se aperfeiçoou e age em diversos países considerados democráticos. Serrano cita o Patriotic Act, conjunto de leis promulgadas pelo governo dos Estados Unidos após o 11 de setembro que violam uma série de liberdades individuais.
O caso Miguel Castro vs Peru, que foi levado e julgado na Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), nos traz claras violações aos direitos humanos, como a tortura, violação a integridade pessoal e o descaso pelas vidas daqueles que cumpriam pena em restrição de liberdade. Essas violações a direitos básicos ocasionaram um total de 41 mortes e algumas vítimas feridas sobreviventes, que sofreram com o abuso do poder dos oficiais sem qualquer resistência comprovada, divergindo com a declaração do Estado em primeiro momento, que alegou revolta dos detentos e o uso da violência ter sido apenas uma forma de cessar essa retaliação.
Podemos ver também violações por discriminação de gênero, pois foi comprovado o tratamento mais cruel no pavilhão feminino, onde foi dado início os ataques das forças armadas, apenas em razão de serem mulheres.
A Corte IDH baseou-se em artigos de alguns tratados internacionais como a Convenção Americana de Direitos Humanos, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, tratados ratificados pelo Peru, que terá que ser responsabilizado pela violação de tais. Além de que as violações constatadas ferem o jus cogens, como a tortura, que é condenada a qualquer estado tendo reconhecido ou não os tratados em questão.
O Estado do Peru ficou responsabilizado por reparar os danos causados aos feridos e aos familiares dos falecidos, além de reconhecer a responsabilidade estatal publicamente e comprometer-se a desenvolver programas de educação em Direitos Humanos aos agentes das forças de segurança peruanas, a fim de que violações como essas não ocorram novamente.
A interpretação utilizada pela Corte IDH foi uma interpretação autêntica pois é realizada por órgão competente e vinculante internacionalmente, no método literal declarativo, buscando seu fundamento na norma e encontrando artigos bastante explicativos nos tratados, não precisando de muitas balizas para que se encaixasse nas violações apresentadas.
É impactante nos depararmos com o descaso por parte do próprio Estado para com seus integrantes. O caso em foco enfatiza através de cada ocorrência relatada a existência de uma “margem” que repousa sobre toda a sociedade. Usa-se muito o conceito de “marginal” para caracterizar os que não seguem as normas e os padrões impostos pela lei/ordem/costumes/soberanos. Se com os cidadãos “de bem” não há a valorização e o emprego devido dos princípios básicos de uma vida pautada na dignidade da pessoa humana, com a parcela da sociedade considerada/julgada por fora desse padrão é notório e frequente a negligência no que se refere às condições disponíveis. Outro ponto marcante da dissertação é o que evidencia o agravamento dos atos praticados contra as mulheres. Além de toda a complexidade da pauta, se faz necessário pontuar a violência de gênero que permeou no cenário. São tópicos totalmente enraizados da sociedade como um todo e que se destacam em fatos como o descrito exemplificando a urgência que ainda existe nos tempos atuais de se promover e incentivar a criação/melhora de mecanismos de defesa da vida, em todos os âmbitos e preceitos, da pessoa humana.