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OPINIÃO CONSULTIVA OC-15/97: OS RELATÓRIOS DA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

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OPINIÃO CONSULTIVA OC-15/97: OS RELATÓRIOS DA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

Maria Carolina de Souza Ribeiro de Sá[1]

Em 11 de novembro de 1996, com fundamento no artigo 64.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), a República do Chile submeteu perante a Corte IDH uma solicitação de Opinião Consultiva sobre os relatórios da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), cuja emissão faz parte da primeira fase do procedimento de ingresso ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH).

Foi questionado se “Poderia a Comissão uma vez que em relação a um determinado Estado tenha adotado os relatórios que constam do Artigo 50 e 51 da CADH, tendo no último dos relatórios notificado o Estado em se tratar de um relatório final, modificar substancialmente tal relatório e emitir um terceiro?” e se “Caso a CIDH não seja competente para mudar o relatório, qual destes deve ser considerado válido?”

Tal indagação surgiu em razão de um caso anterior em que o Chile figurava como parte, o caso “Martorell”, em que a CIDH tinha aprovado com fulcro no artigo 50 da CADH o Informe 20/95, obtendo resposta por parte do Estado. Posteriormente a CIDH comunicou ao Chile a aprovação do Informe 11/96, tendo sido este caracterizado pela Comissão como final e publicado. Não obstante, em seguida, a CIDH decide postergar a publicação deste último informe, alegando o surgimento de novos fatos submetidos pelos peticionários. Assim, após as audiências de praxe, a CIDH adotou um novo informe sobre o caso, ou seja, um terceiro, que foi considerado pela mesma como “uma cópia do Informe 11/96 com modificações aprovadas pela Comissão na audiência realizada.

Diante do exposto o Chile argumentou que a possibilidade de emendar um informe final adotado pela CIDH, não está contemplada nos artigos 50 e 51 da CADH, sendo tal possibilidade de emenda um atentado contra a segurança jurídica. Logo, seria imperativo que a Corte IDH opinasse sobre o assunto, que se refere a este aspecto processual da CADH, haja vista também, a participação dos sujeitos no procedimento da CIDH, estes que devem saber o que se esperar. A Corte IDH seguiu com os procedimentos da solicitação de Opinião Consultiva, requisitando a manifestação dos Estados membros da OEA, da CIDH e do Conselho permanente da OEA.

Cabe destacar que o Estado da Guatemala manifestou-se no sentido de que a CIDH não teria competência para emitir um terceiro informe que modifique aquele do Artigo 51 da CADH, ou que tenha pontos diferentes do informe original, vez que tenha sido notificado ao Estado como definitivo, considerando que tal conduta seria uma “distorção da normativa”, assim, somente o informe notificado como definitivo teria efeitos legais. Já o Estado da Costa Rica observou que a Corte IDH não tem competência para emitir opinião jurídica sobre casos concretos que não foram submetidos a sua jurisdição, mas que o poderia ser, implicando, portanto, em uma antecipação de critério.

A CIDH, ao se manifestar, informou a Corte IDH que o Chile havia decidido retirar a solicitação de Opinião Consultiva. Tal informação, foi confirmada pelo referido Estado, que argumentou que apesar da importância prática da iniciativa, a mesma foi posta como uma iniciativa de distorcer a resolução do caso “Martorell”, não sendo a vontade do Chile contestar os poderes procedimentais ou jurisdicionais da CIDH pelas vias oblíquas do parecer consultivo. O Estado aduziu, ainda, que não existe uma diferença de critério com a CIDH, não sendo conveniente nem necessário continuar o debate sobre o tema em questão. Então, a CIDH reitera o pedido de paralisação, bem como peticiona pelo arquivamento da petição de opinião consultiva.

Apesar do colocado, a Corte IDH decide por continuar o procedimento. Assim, a CIDH reitera que com a retirada da solicitação pelo Estado, a Corte IDH restou incompetente para emitir a Opinião Consultiva, vez que não há solicitação expressa, logo não poderia emitir uma opinião “motu proprio”; que a solicitação serviria como cobertura para a resolução de um caso contencioso, o que é proibido pelo SIDH, e; que em conformidade com o artigo 54, parágrafo 2 e 3 da CADH e com a OC-13/93, é possível em determinadas circunstâncias excepcionais, fazer modificações nos relatórios aprovados, antes da publicação destes.

A despeito dos argumentos da CIDH a Corte IDH, nega provimento ao pedido de arquivamento e convoca uma audiência pública com os Estados e instituições que apresentaram seus pareceres sobre a solicitação de OC-15. Nesta audiência publica, o Chile colocou que possui o direito de solicitar e retirar a solicitação de um parecer consultivo do Tribunal e que havia manifestado, junto a CIDH sua intenção de retirar o pedido encerrando o procedimento, vez que a Corte IDH não poderia emitir pareceres consultivos “motu proprio”. Porém, afirma que cumprirá a resolução da Corte Interamericana de 14 de abril de 1997, na qual decide dar andamento ao procedimento da solicitação, aceitando assim a competência da Corte IDH para conhecer do pedido de parecer consultivo.

Portanto, em relação a essa solicitação, o Chile indicou que a existência de novos fatos não autoriza, nem justifica, a revisão pela CIDH do relatório dito como final, devendo ser prezados os princípios jurídicos da boa fé e da segurança jurídica, estes que são essenciais tanto para o Direito Internacional, quanto para o Direito Internacional dos Direitos Humanos. Por fim, postula que a jurisprudência da Corte IDH, relativa à interpretação do procedimento estabelecido nos artigos 50 e 51 da CADH, possui correspondência com a solicitação, pois o relatório em questão tinha caráter de caráter definitivo, conforme consta na Opinião Consultiva OC-13, sendo conclusivo, terminal e/ou operacional. Ainda, foi indicado que a CIDH decidiu publicar o relatório final antes de notificar o Estado.

O representante do Estado da Guatemala em audiência, indicou que uma notificação leva à consumação de um ato jurídico nascendo as obrigações e direitos para quem foi notificado, nesse caso, entende-se que o poder de emitir um segundo relatório quando foi notificado, além disso, a CADH, no artigo 46 estabelece que o prazo começa a partir do momento da notificação da decisão final; que, sem determinar o momento em que um ato se torna definitivo, não haveria segurança jurídica. Porém declarou que depois de aprovar os dois relatórios mencionados nos artigos 50 e 51 da CADH, e notificar ao Estado de que o último desses relatórios é final, não se poderia emitir um terceiro relatório que modifique substancialmente o relatório descrito no artigo 51 da CADH. Portanto a Guatemala considerou coerente afirmar que o primeiro relatório definitivo é aquele notificado, sendo aquele com as modificações nulo.

A CIDH reiterou que a Corte IDH não seria competente para emitir o parecer consultivo solicitado. Quanto à admissibilidade do pedido do Chile, foi colocado que a intenção declarada pelo Estado era a de levar um caso contencioso à Corte e distorcer o sistema consultivo e o contencioso.

Quanto ao conteúdo do parecer consultivo discutiu que a CIDH pode modificar o relatório elaborado em conformidade com os parágrafos 1 e 2 do artigo 51, a fim de prescrever um relatório final e decidir sobre sua publicação. Acrescentou que a evolução dos relatórios da CIDH sobre os casos, de acordo com os artigos 50 e 51, depende das circunstâncias específicas de cada situação e algumas delas permitem que sejam modificadas.

Alegou ainda, que há a possibilidade de o Estado adotar parcialmente recomendações após o envio do segundo relatório, sendo assim possível um terceiro relatório modificado será preparado e será publicado. Por fim, alegou que há outras situações que poderiam justificar a modificação do relatório, antes de sua publicação. Como exemplo tem-se as situações de fato ou de direito que não alterem as conclusões e recomendações da CIDH; os fatos supervenientes que não afetam as conclusões ou recomendações, mas analisam a lógica do relatório e; novos fatos que afetariam as conclusões do relatório e que, em situações extraordinárias, deveriam ser incluídos modificando o relatório. Neste caso o argumento precedente seria a possibilidade de revisão, que deve se basear em fatos ou situações relevantes desconhecidos no momento em que o julgamento é proferido.

Mesmo com todo o debate sobre a competência da Corte IDH no presente caso, a mesma se diz competente em razão da natureza multilateral das Opiniões consultivas e de poder, por analogia com os casos contenciosos, continuar com um caso, mesmo com a desistência de uma das partes, vez que a finalidade desta é a proteção dos Direitos Humanos. Por fim, o pedido de opinião consultiva é declarado admissível, vez que o caso “Martorell” já havia terminado.

Sobre o mérito, primeiramente há um esclarecimento sobre os termos utilizados. “Definitivo” qualificaria o segundo informe constante no artigo 51 da CADH, tendo tal termo sido utilizado na OC-13/93. Assim, o primeiro relatório possui caráter preliminar e o segundo definitivo, sendo tais termos descritivos, não estabelecendo categorias jurídicas, estas que não teriam suporte na CADH.

A Corte IDH destrincha o procedimento perante a CIDH com base no previsto pela CADH, no qual há duas etapas em que a Comissão pode tomar uma decisão sobre a publicação referente ao artigo 51. Na primeira etapa, se o assunto em questão no momento não tiver sido solucionado amistosamente, ou submetido a decisão da Corte IDH, a CIDH possui o poder discricionário para emitir sua opinião, conclusões e recomendações pertinentes, bem como fixar um prazo para o cumprimento destas. Já a segunda etapa, versa sobre a decisão de exercer esse poder discricionário, em que, ao final do prazo fixado, a CIDH decidirá se o Estado tomou as medidas adequadas, ou se publicará um relatório com as suas opiniões, conclusões e recomendações.

Ademais, a Corte IDH aduz para o fato da CIDH poder continuar conhecendo do caso quando não há submissão a Corte IDH, devendo a CIDH seguir certos critérios legais, tais como: a imparcialidade dos seus atos, bem como sua equidade com relação às partes interessadas; a sua função principal de promover a observância e defesa dos Direitos Humanos (artigo 41 CADH), e; Formular recomendações, quando conveniente aos Estados, para estes adotarem medidas progressivas em favor dos Direitos Humanos, em consonância com suas leis internas e princípios constitucionais apropriados para fomentar o respeito a esses direitos. Assim, a Corte IDH coloca que se deve examinar o alcance e objetivos dos informes, bem como os efeitos das modificações, em termos de segurança jurídica, equidade processual e conformidade com os objetivos e fins da CADH.

Ao fim das etapas se tem o fim do processo na CIDH, esta que decide se um Estado cumpriu com suas obrigações convencionais. A Corte IDH aduz para o fato do Artigo 51 não prevêr a possibilidade de mudança do relatório, nem a proíbir. Sendo que a CIDH possui o prazo de três meses para enviar ou não o caso a Corte IDH. Assim a Corte decide que modificar o relatório por qualquer causa, em qualquer momento, causaria grande insegurança, ou dúvidas sobre as recomendações e conclusões deste, para o Estado.

Por outro lado, a Corte IDH reconhece haver certas situações que seria admissível fazer modificações no relatório. A primeira seria o cumprimento parcial, ou total, das recomendações do relatório. Já a segunda seria a existência de erros materiais sobre os fatos do caso. Por fim, a última hipótese seria o conhecimento de fatos que eram desconhecidos quando emitido o informe e que tiveram uma influência decisiva no conteúdo do mesmo, implicando na não possibilidade de reabertura do debate sobre os mesmos fatos e sobre tais considerações de direito.

Nesses casos, deve haver uma solicitação de modificação pelas partes interessadas, devendo esta ocorrer antes da publicação do próprio informe, dentro de um prazo razoável de sua notificação, abrindo assim, a possibilidade do contraditório sobre os fatos. A Corte IDH alude para a possibilidade de revisão de sentenças em matéria contenciosa, quando a coisa julgada mantém uma situação de injustiça, relacionada a um fato que se conhecido no momento da sentença, modificaria a mesma, ou demonstraria qualquer vício. A revisão só seria possível em sentenças emanadas por um tribunal, assim as modificações feitas pela CIDH devem ocorrer de maneira restritiva, em casos excepcionais.

Isto posto, a Corte IDH coloca que mesmo nas hipóteses mencionadas não pode a CIDH emitir um terceiro relatório, que não está previsto na CADH. Decide, portanto que a CIDH, com fulcro no artigo 51 da Convenção Americana de Direitos Humanos, não possui poderes para modificar as opiniões, conclusões e recomendações feitas a um Estado membro, salvo em circunstâncias excepcionais indicadas nos parágrafos 54 a 59. Porém, tal pedido de modificação deve ser feito pelas partes interessadas (peticionários ou pelo Estado), antes da publicação do próprio relatório, dentro de um prazo razoável a contar da data da notificação. Sendo esse o caso, as partes terão a oportunidade de debater os fatos ou erros relevantes que motivaram sua solicitação, de acordo com o princípio da justiça processual.

Apesar do procedimento conturbado, cheio de incidentes, a Corte IDH conseguiu dar uma interpretação satisfatória em conformidade tanto com a norma constante nos artigos 50 e 51 da CADH, quanto com a segurança, equidade e equilíbrio processual que se buscava por parte dos Estados.

Assim, há o esclarecimento sobre o devido processo a ser seguido, suas etapas, delimitando a atuação da CIDH, evitando qualquer possível abuso, porém garantindo sua autonomia quanto a suas opiniões e recomendações. Assim, cabe adicionar que o sistema de solução de informes encontra previsão nos artigos 48 à 51 da CADH, bem como no Regulamento da CIDH de 2009, que esclarece o procedimento dos relatórios nos artigos 44 à 47.

Havendo a denúncia, sendo a mesma admissível, há a informação do Estado, bem como audiência na CIDH, cujo objetivo é a solução amistosa do caso. Caso esta não ocorra, a CIDH emite um relatório preliminar de mérito sobre o caso ao Estado, sendo este sigiloso, previsto no artigo 50 da CADH e 44 do Regulamento da CIDH. O relatório do artigo 50 contém os fatos, as conclusões e as recomendações pertinentes, tendo o Estado um prazo de três meses para solucionar o caso.

Neste ponto do procedimento, a Comissão possui dois possíveis caminhos caso o Estado em questão não cumpra com o recomendado pelo relatório do artigo 50: pode se decidir por enviar o caso à Corte IDH; ou, por decisão da maioria absoluta dos seus membros, publicar um segundo relatório, este em conformidade com o artigo 51 da CADH. Este segundo relatório do artigo 51 é definitivo em acordo com o artigo 47.1 do Regulamento da CIDH, sendo transmitido às partes, servindo de base para o monitoramento, este que é uma das funções realizadas pela CIDH.

Cabe ressaltar que caso o Estado aceite a jurisdição da Corte IDH, a decisão de submeter um caso à Corte, ou emitir o relatório do artigo 51, é discricionária, não existindo critérios jurídicos objetivos constantes na CADH. O que existe são elementos constantes no Regulamento da CIDH, considerados para se levar um caso à Corte IDH, como: a posição do peticionário; a natureza e a gravidade da violação; a necessidade de desenvolver ou esclarecer a jurisprudência do Sistema, e; o efeito eventual da decisão nos ordenamentos jurídicos dos Estados membros.[2]

Conclui-se que a normativa que regula a atuação da CIDH, passou pelo processo chamado de fortalecimento de suas funções (monitoramento, promoção e proteção), cuja necessidade se notou desde seu primeiro Estatuto em 1959 para seu melhor funcionamento enquanto órgão autônomo[3]. Assim, ela possui poderes para determinar de forma discricionária o seu próprio procedimento. Tal poder pode colocar em alerta certos Estados que ao serem demandados questionam a falta de garantias processuais[4]. Apesar do exposto, deve-se lembrar que o Direito Internacional dos Direitos Humanos, possui características especiais em comparação ao Direito Internacional Geral, sendo tais normas interpretadas em acordo com princípios distintos, cujo objetivo fim é proteção plena dos direitos em questão.

[1] Pesquisadora vinculada ao Núcleo Interamericano de Direitos Humanos (NIDH-UFRJ). Bacharel em Direito pela UFRJ.
[2] UGARTE BOLUARTE, Krúpskaya. La functión de la Comisión Interamericana de Derechos Humanos en el Sistema Interamericano de Derechos Humanos: un repaso a las generalidades básicas que todos debemos conocer. In: Lex: Revista de la Facultad de Derecho y Ciencia Política de la Universidad Alas Peruanas. Lima, 2014. p. 56-58.
[3] SALAZAR, Katya; CERQUEIRA, Daniel. The functions of the Inter-american Commission on Human Rights before, during and after the strenthening process In: The Inter-american human rights system. Washington, 2018. p. 132-135.
[4] UGARTE BOLUARTE, Krúpskaya. Op. Cit. P. 56.

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