OPINIÃO CONSULTIVA OC-19/05 : CONTROLE DE LEGALIDADE NO EXERCÍCIO DAS ATRIBUIÇÕES DA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
Maria Carolina de Souza Ribeiro de Sá[1]
Em 12 de novembro de 2003 a República Bolivariana da Venezuela submeteu uma solicitação de Opinião Consultiva sobre o Controle de legalidade no exercício das atribuições da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no entanto esta que não precisava as perguntas, nem indicava os dispositivos cuja interpretação se pedia.
Após as devidas mudanças a pergunta posta foi se “existiria um órgão dentro do Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH) que disponha de competência necessária para exercer um controle de legalidade sobre a atuação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), o qual os Estados parte da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) possam recorrer em defesa da legalidade? Em caso positivo qual seria o dito órgão e suas atribuições?”
Após os procedimentos de praxe nenhum Estado se manifestou sobre o assunto, por esta razão não se realizou audiência pública por ausência de observações estatais. No entanto a CIDH considerou que a pergunta não é obscura, mas que precisava ainda de certos contornos assim, coloca que ao promover a observância e defesa dos Direitos Humanos, a mesma exerce funções administrativas, consultivas/promocionais e quase jurisdicionais, conforme os artigos 44 à 51 da CADH. Nesse caso de solicitação de OC deve se excluir as duas primeiras funções, vez que não envolvem o direito defesa dos Estados (direito ao contraditório), devendo versar somente sobre sua função quase jurisdicional.
Sobre o universo normativo sujeito a interpretação, a CIDH alega que dentre toda normativa que compõe o SIDH, somente a Carta da OEA e a CADH estabelecem um regime de legalidade para a atuação dos órgãos do sistema, incluindo a mesma, assim, a CIDH entende que a interpretação de seu Regulamento é uma faculdade exclusiva sua.
Já sobre o regime de legalidade que se inscreve a solicitação, ou seja, os dispositivos específicos a serem interpretados, a CIDH coloca que a pergunta deveria ser “se ao se interpretar a Carta, a CADH e o Estatuto, existiria um órgão que disponha das competências para exercer o controle da aderência da atuação quase jurisdicional da CIDH com o regime consagrado nos artigos 112 (carta); 41 e 44 a 51 (CADH), e 24 (estatuto)”.
Adentrando a questão do procedimento de petição individual, a CIDH argumenta ser dever tanto da Corte IDH, quanto da mesma de serem os guardiões de sua própria sujeição ao regime de normas do SIDH, tendo em vista sua autoridade e credibilidade necessárias ao desempenho de suas funções. A CIDH ainda argumenta não haver um desamparo do Estado frente a sua atuação, havendo garantias pautadas no diálogo entre os órgãos do sistema, independência funcional da CIDH e da Corte IDH, e as garantias do procedimento de petição, tais como o princípio da supremacia convencional, boa fé, interpretação pro persona, bem como, as condições de admissibilidade, princípios do contraditório, equidade processual e segurança jurídica.
Ademais a CIDH assinalou que há um exercício concorrente de competências por parte da Corte IDH, podendo o Estado discutir em tal instância qualquer desacordo com as conclusões da CIDH. Portanto, quando um caso é levado a Corte IDH, é possível haver interpretações diferentes sobre um mesmo fato, ou aspectos processuais. Outra possibilidade de controle reside nas exceções preliminares, quando a CIDH leva um caso a Corte IDH. Por fim, a competência consultiva constitui um mecanismo adicional de diálogo sobre o regime de legalidade no que tange o procedimento de petições individuais.
As instituições que atuaram como amicus curiae, em sua generalidade, suportaram os argumentos expostos pela CIDH, alegando que a mesma é independente e autônoma em sua atuação, sendo a Corte IDH, o único órgão de controle, não existindo nenhum outro órgãos. Ademais, os mesmo aduziram para o fato de haver um controle político dentro dos órgãos da OEA.
A Corte IDH se considerou competente para decidir sobre o assunto, apontando novamente para a amplitude de sua competência consultiva no Direito Internacional contemporâneo, cujo objetivo é coadunar o cumprimento dos integrantes do SIDH com os seus compromissos internacionais sobre Direitos Humanos.
Adiciona ainda que é competente para pronunciar sobre a consulta, vez que a mesma é sobre a um órgão do SIDH, e que tal OC servirá para delimitar o alcance das funções atribuídas a CIDH pela CADH.
A Corte IDH inaugura sua argumentação sobre o mérito ao estatuir que os tratados, convenções e declarações do SIDH são as fontes principais de obrigações dos Estados e, portanto, parâmetro de legalidade que sujeita a CIDH. Logo, toda faculdade de examinar as atividades da CIDH dele ser limitada pelo objeto e finalidade do SIDH: a proteção dos Direitos Humanos.
A CIDH é um órgão da OEA e da CADH, portanto está vinculada à Corte IDH, mesmo que possuam poderes diferentes, ambos examinam as comunicações individuais e as estatais. Assim, o SIDH se constitui na base da independência e autonomia de seus órgãos para bem cumprirem com a sua finalidade e funções. Sendo assim, só no que tange às comunicações individuais e estatais , que a Corte IDH possui poder para revisar se a CIDH cumpriu com as disposições da CADH.
Diante do exposto, quando há petições individuais a CIDH deve respeitar o artigo 106 da Carta da OEA, o artigo 41.f, 44 a 55 da CADH e seu Regulamento interno, sendo garantido o exercício do direito de defesa no procedimento (condições de admissibilidade das petições; princípio do contraditório, e; equidade processual e segurança jurídica), como controle de legalidade.
A Corte IDH aduz para as outras funções da CIDH destinadas a promoção e proteção dos direitos humanos, como as formulações de recomendações, emissão de relatórios e informes, bem como as visitas in loco. Sobre tais atribuições a Corte IDH relembra que há a submissão de um informe anual na Assembleia Geral da OEA, este que apresenta toda ação realizada pela CIDH, assim, os Estado podem apresentar aos órgãos competentes da OEA, mais especificamente para a Assembleia Geral, suas observações a respeito da atuação da CIDH na sua dupla função.
A Corte IDH, conclui, que é competente para a Opinião Consultiva em questão, Opinando que: a) a CIDH como órgão do SIDH tem plena autonomia e independência no exercício de suas funções em acordo com a CADH; b) a CIDH, no procedimento relativo às petições individuais, e nas atribuições de proteção e promoção dos direitos humanos, atua conforme o marco legal estabelecido pela CADH; c) Que a Corte IDH efetua o controle de legalidade da atuação da CIDH nos assuntos que estão sob o conhecimento da própria Corte, em conformidade com sua competência conferida pela CADH e outros instrumentos.
Depreende-se que tal OC-19 consolida a autonomia e independência da CIDH, necessária a sua atuação e intrínseca às suas funções, apontando que tal foi atribuída pela própria CADH, e que a mesma impôs os limites e garantias do procedimento que envolve a função relacionada às petições individuais, apontando a Corte IDH como órgão último para resolução de conflitos nesse aspecto.
Quanto ás funções de promoção e proteção dos Direitos Humanos, que envolvem os relatórios emitidos pela CIDH, o que se observa da leitura da presente Opinião Consultiva, em conformidade com as anteriores que tratam sobre a atuação da CIDH, principalmente a OC-15/97, é uma preocupação constante dos Estados partes com os procedimentos tendo em vista as funções citadas.
Ressalta-se que em tais funções tem-se uma maior discricionariedade intrínseca a estas e ao objetivo fim que é a proteção dos direitos humanos, estando limitado ao controle político exercido no âmbito dos órgãos da OEA.
Ademais, é importante relembrar que como órgão autônomo a CIDH possui poder para regular sua própria atuação[2], o que ocorre através de seu regulamento interno. Os poderes da CIDH, desde 1959, passa por um processo de expansão. Temos assim que entre 1960 e 1990 tem-se uma expansão dos seus poderes em prol do monitoramento e promoção, já entre 1990 e 2011, observa-se uma ênfase no pilar da proteção[3].
Tal expansão seguiu também uma tendência mundial no que tange ao Direito Internacional dos Direitos Humanos, principalmente após a conferência de Vienna de 1993[4]. Conclui-se por fim que o objetivo do fortalecimento da CIDH é a proteção eficiente e efetiva dos Direitos Humanos, capaz de dar respostas, definindo parâmetros uniformes nos relatórios, principalmente por meio das opiniões consultivas, estabelecendo uma comunicação de informação constante entre os órgãos do SIDH.