A Opinião Consultiva n. 22/2016: a titularidade dos direitos humanos das pessoas jurídicas e indígenas no sistema interamericano
Adriano Corrêa de Sousa*
Juanita Miluska Buendía Muñoz**
A Corte IDH deliberou entre as sessões dos dias 19 de novembro de 2015 e de 23 de fevereiro de 2016 sobre a Opinião Consultiva n. 22, solicitada em 28 de abril de 2014 pela República do Panamá a respeito da interpretação e alcance do artigo 1.2 da Convenção Americana de Direitos Humanos, que trata a respeito da definição de pessoa, em relação aos artigos 1.1, 8, 11.2, 13, 16, 21, 24, 25, 29, 30, 44, 46 e 62.3, todos da Convenção Americana de Direitos Humanos e o art. 8.1a e b do Protocolo de San Salvador. A Corte estabeleceu sua opinião no dia 22 de fevereiro de 2016.
Em síntese, Panamá solicitou que a Corte se pronuncie sobre:
I) Em relação ao artigo 1.2, o escopo e a proteção de pessoas físicas por meio de pessoas jurídicas ou entidades não governamentais, seja para esgotar os procedimentos de jurisdição interna quanto para elevar denúncias de violação dos direitos humanos perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, assim como o escopo e a proteção dos direitos de pessoas coletivas ou entidades não governamentais, como tais, como instrumentos de pessoas físicas para realizar suas tarefas legítimas;
II) Se o artigo 16, que reconhece o direito de associação, é limitado pela restrição da proteção de associações livremente formadas por pessoas físicas como entidades não-governamentais legalmente reconhecidas, para proteger seus direitos expressos e desenvolvidos por meio de pessoas jurídicas;
III) A interpretação do artigo 1.2 à luz dos artigos 29 (normas de proteção) e 30 (alcance das restrições) da Convenção;
IV) A proteção dos direitos humanos das pessoas físicas por meio de organizações não-governamentais ou pessoas jurídicas, os direitos à proteção judicial e o devido processo do artigo 8 da Convenção; a privacidade e a vida privada do artigo 11 da Convenção; a liberdade de expressão do artigo 13 da Convenção; a propriedade privada reconhecida pelo artigo 21 da Convenção; a igualdade e não discriminação dos artigos 1.1 e 24 da Convenção; o direito de greve e constituição de federações e confederações do artigo 8 do Protocolo de San Salvador à Convenção Americana de Direitos Humanos.
Desse modo, a Corte decidiu agrupar as perguntas apresentadas em quatro temas principais: I) a consulta sobre a titularidade dos direitos das pessoas jurídicas no sistema interamericano; II) as comunidades indígenas e tribais e as organizações sindicais; III) proteção de direitos humanos de pessoas naturais por meio de pessoas jurídicas; e IV) esgotamento de recursos internos pelas pessoas jurídicas.
A Secretaria da Corte, mediante notificações de 17 de novembro de 2014, encaminhou a consulta aos demais Estados Membros da Organização dos Estados Americanos, ao Secretario General da OEA, ao Presidente do Conselho Permanente de OEA e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Nas referidas notificações, o Presidente da Corte IDH fixou o dia 30 de janeiro de 2015 como data limite para a apresentação das observações escritas respeito da solicitação. Ademais, por meio das notificações de 17 de novembro, 3 e 4 de dezembro de 2014, a Corte convidou diversas organizações internacionais e da sociedade civil, além de meios de comunicação, partidos políticos, instituições académicas, religiosas, empresariais e sindicais da região para enviar seus respectivos pareceres escritos sobre os pontos da consulta. O referido prazo foi prorrogado até o dia 30 de março de 2015. Ao total, seis Estados apresentaram observações escritas, dente eles, Argentina, Bolívia, Colômbia, El Salvador, Guatemala e Honduras, bem como trinta e nove apresentadas por organismos, associações, instituições acadêmicas e indivíduos da sociedade civil.
Uma vez concluído o procedimento escrito, no dia 21 de maio de 2015, a Presidência da Corte emitiu uma resolução na qual convidou os participantes a apresentar perante a Corte os seus comentários orais a respeito da consulta.
A respeito do mérito, a Corte IDH construiu sua fundamentação a partir da definição de dois conceitos chaves: pessoa jurídica e legitimidade ativa. Para o referido Tribunal, pessoas jurídicas são entidades, distintas de seus membros, com capacidade de contrair obrigações e exercer direitos, cuja capacidade está restringida ao objeto social para que foram criados. Por outro lado, a legitimidade passiva se refere à aptidão para ser parte em um processo, conforme os termos legais. No âmbito do sistema interamericano, a legitimidade passiva está disciplinada no artigo 44 da Convenção Americana, que estabelece a faculdade de qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade no governamental reconhecida em algum Estado membro da OEA de apresentar petições perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, contudo, apenas os Estados e a Comissão podem submeter um caso à decisão da Corte.
A partir destas definições, o Tribunal passou a analisar a consulta sobre a titularidade de direitos das pessoas jurídicas no sistema interamericano. Para isso, aplicou três métodos de interpretação: teleológico, sistemático e comparativo.
A interpretação teleológica foi usada para compreender o objeto e o fim do tratado por meio de diversas passagens do preâmbulo da CADH, como em: “[…] fundado no respeito dos direitos essenciais do homem”; “Reconhecendo que os direitos essenciais do homem não derivam do fato de ser ele nacional de determinado Estado, mas sim do fato de ter como fundamento os atributos da pessoa humana […]”; “Reiterando que, de acordo com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, só pode ser realizado o ideal do ser humano livre, isento do temor e da miséria […]”. Ademais, a jurisprudência da Corte também foi utilizada para afirmar que o objeto e o fim do tratado é a proteção dos direitos fundamentais dos seres humanos”[1]. Nesse sentido, de acordo com a Corte, a CADH foi criada com o intuito de proteger os seres humanos. Assim, as pessoas jurídicas, entendidas como ficção jurídica sem existência no mundo material, não se encontram albergadas no referido tratado.
A interpretação sistemática, por sua vez, foi utilizada para entender a CADH como parte de um todo, ou seja, seu alcance e significado é determinado em função do sistema jurídico ao qual pertence. Nesse sentido, a Corte analisou a Declaração Americana de Direitos Humanos (DADH) em conjunto com o preâmbulo da CADH para concluir que foram criados com a intenção conferir a titularidade de direitos a seres humanos, em virtude da constante referência às palavras “homem” ou “pessoa humana”.
Em seguida, o Tribunal comparou os demais sistemas de proteção de direitos humanos: o africano, o europeu e o universal. Dessa comparação, a Corte concluiu que apenas o sistema europeu reconhece direitos humanos às pessoas jurídicas. Outra exceção é o marco da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, que proíbe expressamente a discriminação entra grupos ou organizações. O artigo 8 da referida norma criou o Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial (CERD), organismo das Nações Unidas, o qual estabeleceu que pessoas jurídicas podem denunciar violações que afetem seus direitos.
Desse modo, valendo-se de uma interpretação teleológica, sistemática e, de acordo com a comparação entre os diferentes sistemas de proteção de direitos humanos, a Corte concluiu que as pessoas jurídicas não são titulares de direitos estabelecidos pela CADH, em razão do qual não podem ser consideradas supostas vítimas em processos contenciosos do sistema interamericano.
A Corte IDH também considerou a situação jurídica das comunidades indígenas e tribais, assim como das organizações sindicais. A reflexão sobre a titularidade de direitos no sistema interamericano foi tratada separadamente entre I) comunidades indígenas e tribais; II) sindicatos, federações e confederações.
O Tribunal reiterou sua jurisprudência, segundo a qual as comunidades indígenas são titulares dos direitos protegidos na Convenção e podem acessar ante o sistema interamericano. Cabe mencionar que, em 2012, houve uma significativa mudança jurisprudencial, visto que, até então, a Corte apenas considerava sujeito de direitos aos membros de uma comunidade e não à comunidade em si. Assim, pela primeira vez, com o caso Povo Indígena Kichwa de Sarayaku vs. Equador, houve o reconhecimento da comunidade indígena como titular de direitos protegidos pela CADH, em virtude de violações à propriedade comunal, identidade cultural, garantias jurídicas e proteção judicial.
Nesse sentido, o Tribunal levou em consideração a relação especial dos povos indígenas com seus territórios ancestrais, assim como o caráter coletivo da propriedade, para mudar a jurisprudência internacional sobre o tema.
A respeito dos sindicatos, federações e confederações, a Corte analisou o artigo 8.1.a do Protocolo de San Salvador, o qual estabelece que “os Estados partes permitirão aos sindicatos formar federações e confederações nacionais e associar-se à já existentes, assim como formar organizações sindica-lhes internacionais e associar-se à de sua eleição. Os Estado partes também permitirão que os sindicatos, federações e confederações funcionem livremente” (art. 8.1.a).
De acordo com ele, a Corte observou uma ambiguidade na redação do artigo, visto que não é claro se confere ou não titularidade de direitos aos sindicatos, federações e confederações; pelo qual analisou seu alcance.
A respeito, a Corte concluiu que as organizações sindicais constituem pessoas jurídicas distintas a seus associados com capacidades diferentes às deles para contrair obrigações e adquirir e exercer direitos. Além disso, o direito que a norma consagra a favor dos trabalhadores é um marco que gera direitos mais específicos aos sindicatos, federações e confederações, como sujeitos de direitos autónomos, cuja finalidade é permitir-lhes ser interlocutores de seus associados, permitindo uma proteção mais efetiva do direito dos trabalhadores.
Segundo a Carta da OEA, no seu art. 45.c, reconhece à personalidade jurídica das associações de trabalhadores e dos empregadores, e se consagra a proteção de sua liberdade e independência. Por sua vez, o art. 45.g faz um reconhecimento da contribuição dos sindicatos à sociedade. Conforme ao princípio pro pessoa, consagrado na Convenção Americana da qual o Protocolo forma parte, a Corte reiterou que a intepretação do art. 8.1.a. deve ser mais garantista e não deve excluir o efeito da Carta da OEA, pois a mesma favorece ao gozo efetivo dos direitos nela reconhecidos.
Em relação à finalidade do Protocolo, a Corte considerou que o preâmbulo dele, a respeito da proteção dos direitos econômicos, sociais e culturais, busca salvaguardar não só a dignidade da pessoa humana, mas, também, a democracia e os direitos dos povos. Uma interpretação de boa-fé do art. 8.1.a, também, permite dar conta que o dispositivo outorga titularidade dos direitos, que ele estabelece, às organizações sindicais. Para confirmar o sentido do art. 8.1.a, a Corte utilizou os trabalhos preparatórios do art. 19 do Protocolo como meio complementário de interpretação.
A Corte concluiu a titularidade dos direitos, estabelecidos no art. 8.1.a, dos sindicatos, federações e confederações, o qual lhes permite apresentar-se perante o sistema interamericano em defesa de seus direitos. Aquela titularidade e acesso ao sistema estariam limitados às organizações sindicais constituídas ou operantes nos Estados que ratificaram o Protocolo, por quanto, as obrigações aí previstas não podem ser extensivas aos Estados que não expressaram sua vontade de assumi-las. Além disso, assinalou sua falta de competência respeito a casos em que seja alegado o direito a greve, porque, de acordo com o art. 19.6 do Protocolo, somente tem competência sobre os direitos sindicais conteúdos no art. 8.1.a.
Por outro lado, a Corte IDH analisou o exercício dos direitos de pessoas naturais por meio de pessoas jurídicas. Neste sentido, reiterou a jurisprudência na matéria e analisou o caráter inerente ao ser humano de certos direitos reconhecidos pela Convenção Americana, assim como alguns direitos reconhecidos a uma pessoa natural, por meio de sua participação em uma pessoa jurídica.
O Tribunal afirmou que existe a possibilidade de que a pessoa humana, que exerce seus direitos por meio da pessoa jurídica, possa acudir ao sistema interamericano para fazer valer seus direitos fundamentais, ainda quando ela seja revista de uma ficção jurídica (pessoa jurídica), a qual não tem um reconhecimento expresso na Convenção Americana.
O Tribunal ressaltou a existência de certos direitos que são inerentes e exclusivos do ser humano, pelo qual o exercício de tais direitos só pode ser realizado de forma pessoal. Ou seja, existem direitos os quais podem, unicamente, ser exercidos pessoalmente pela pessoa física titular de direitos, devido ao vínculo entre a natureza humana e o direito mesmo. Aquilo exclui a possibilidade de analise onde se alega que a violação de direitos, cuja titularidade residiu na pessoa física, foi exercida por meio de uma pessoa jurídica.
É importante referir que cada direito implica uma análise distinta com relação a seu conteúdo e forma de realização. Alguns direitos podem se relacionar diretamente com funções vitais dos seres humanos ou com funções físicas ou psicológicas do corpo humano, tais como o direito à vida, à liberdade pessoal ou à integridade pessoal, outros relacionam-se entre os seres humanos e a sociedade, tais como os direitos à propriedade privada, associação, entre outros.
A Corte considerou importante fazer uma distinção a fim de estabelecer as situações que pode analisar o Tribunal, no marco da Convenção Americana, nos casos onde se alega o exercício do direito por meio de uma pessoa jurídica. Nesse sentido, o Tribunal considerou que deve envolver uma relação essencial e direta entre a pessoa natural, que requer proteção no sistema interamericano, e a pessoa jurídica, por meio da qual ocorreu a violação.
De acordo com o exposto, a Corte considerou que não é adequado estabelecer uma fórmula única, como no caso do direito à propriedade ou à liberdade de expressão, que sirva para reconhecer a existência do exercício dos direitos das pessoas naturais por meio de sua participação em uma pessoa jurídica.
Por outro lado, a Corte IDH examinou se o esgotamento dos recursos internos por parte das pessoas jurídicas, a título próprio ou em representação de seus membros, atende ao requisito de admissibilidade, contemplado no art. 46.1.a da Convenção.
A Corte considerou os seguintes requisitos, quando: i) verifica-se que foram apresentados os recursos disponíveis, idóneos e efetivos para a proteção de seus direitos, independentemente de esses recursos terem sido apresentados e resolvidos em favor de uma pessoa jurídica, ii) é demostrado que existe uma coincidência entre as alegações que a pessoa jurídica alegou no procedimento interno e as supostas violações que foram argumentadas perante o sistema interamericano. Além disso, a Corte assinalou que em tais casos o ónus da prova, sobre a efetividade e idoneidade, são a cargo do Estado, quando apresentem a exceção de falta de esgotamento de recursos internos.
A Corte analisou o fato de que a pessoa jurídica interponha recursos, o qual não significa per se que não tenham sido esgotados pelas pessoas físicas titulares dos direitos convencionais, de modo que o cumprimento deste requisito deve ser analisado em cada caso particular. De acordo com a jurisprudência da Corte, deve-se analisar a situação especifica da violação de direitos humanos alegada, a fim de verificar se os recursos que deviam ser esgotados resultaram adequados. A corte referiu que a análise do art. 46.1.a. tem que centrar-se na idoneidade e efetividade do recurso, sem importar se o recurso foi interposto por uma pessoa natural ou uma jurídica.
A Corte concluiu que a existência e ação de uma pessoa jurídica, por meio do qual atua a pessoa natural, suposta vítima da violação do direito humano qual refere, não deve ser um obstáculo o motivo para que o Estado não cumpra as referidas obrigações.
Por fim, a Corte IDH decidiu, por unanimidade, que a Convenção Americana de Direitos Humanos somente consagra direitos a favor de pessoas físicas, em virtude do qual as pessoas jurídicas não são titulares dos direitos elencados no referido instrumento internacional (par. 37 a 70). Não obstante, a Corte também decidiu por unanimidade que as comunidades indígenas e tribais são titulares dos direitos protegidos na Convenção e, assim, podem acessar o sistema interamericano. (par. 72 a 84).
Por seis votos a um, com a dissidência do Juiz Alberto Pérez Pérez, a Corte IDH decidiu que o artigo 8.1a do Protocolo de São Salvador outorga titularidade de direitos aos sindicados, suas federações e confederações, o que permite apresentar demandas perante o sistema interamericano em defesa dos seus direitos (par. 85 a 105).
Também com a dissidência do referido magistrado, a Corte decidiu que as pessoas físicas, em alguns casos, podem exercer seus direitos através de pessoas jurídicas, de forma que, nessas situações, poderão pleitear perante o Sistema Interamericano para apresentar supostas violações a seus direitos (par. 106 a 120).
Mais uma vez vencido o Juiz Alberto Pérez Pérez, a Corte decidiu que as pessoas físicas, sob certos pressupostos, podem esgotar os recursos internos mediantes recursos interpostos por pessoas jurídicas (par. 121 e 140).
Sobre a opinião dissidente do Juiz Alberto Pérez Pérez, o magistrado alegou que a Corte Interamericana abordou a questão a partir de uma perspectiva do direito internacional tradicional, mas não do direito internacional dos direitos humanos. As normas emanadas deste último são interpretadas de acordo com o princípio pro persona, contemplado no sistema interamericano, especialmente, no art. 28 da Convenção Americana.
O Juiz Pérez assinalou que se isso tivesse sido contemplado, as questões levantadas pelo Panamá teriam sido claras para responder. Assim, quando o art. 1.2 da Convenção se refere ao fato de que, para os fins da Convenção, uma pessoa é todo ser humano, significa que uma pessoa é todo ser humano, e que “toda pessoa”, ou seja, todo ser humano, tem o direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica, de acordo com o art. 3 intitulado “direito ao reconhecimento como personalidade jurídica”
Segundo o Juiz, infelizmente, como a maioria da Corte adotou um abordarem de natureza geral que estava longe de cobrir todos os pontos que poderiam ser incluídos na mesma, as respostas para o Estado do Panamá não foram claras.
Em relação à primeira pergunta, de acordo com o art. 1.2 da Convenção, toda pessoa é todo ser humano e “toda pessoa” tem direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica, conforme o art. 3 sobre direito ao reconhecimento da personalidade jurídica. Os direitos reconhecidos na Convenção Americana são direito reconhecidos aos seres humanos e não a outro tipo.
A questão dos direitos fundamentais, pertencentes exclusivamente à pessoa humana, está consagrada no sistema de proteção estabelecido pela Convenção. Com relação ao reconhecimento de direitos a outras entidades, é possível que outros sistemas, internacionais ou internos, os reconheçam, mas pertencerão a outro tipo de direitos.
A respeito da segunda pergunta, segundo o Juiz, a resposta deveria ter sido negativa. O art. 1.2. da Convenção não protege os direitos das pessoas jurídicas como cooperativas, sindicatos, associações, sociedades, na medida em que sejam compostas por pessoas físicas associadas a essas entidades. Diferente é a questão dos direitos das pessoas físicas associadas a essas entidades ou membros delas, na qual a Corte resolveu em sua jurisprudência. Assim, pronunciou-se que embora a figura da pessoa jurídica não fora expressamente reconhecida pela Convenção, isso não restringe a possibilidade de que o indivíduo possa recorrer ao sistema interamericano, para fazer valer seus direitos fundamentais, mesmo quando estejam cobertos por uma ficção jurídica criada pelo mesmo sistema do direito.
É importante fazer uma distinção com o objetivo de admitir quais situações podem ser analisadas pela Corte, no âmbito da Convenção Americana. O referido organismo já analisou a possível violação dos direitos dos sujeitos em sua qualidade de acionistas.
Em relação à terceira pergunta, as pessoas jurídicas poderiam utilizar todos os procedimentos e recursos previstos no direito interno, mas isso não constitui em si uma forma de esgotar os recursos internos em defesa dos direitos das pessoas físicas titulares de tais pessoas jurídicas.
A respeito da quarta pergunta, não é possível reconhecer às pessoas jurídicas algum tipo de direito humano, de acordo com a Declaração Americana, a Convenção Americana e os protocolos ou instrumentos internacionais complementares.
Em relação à quinta pergunta, as pessoas jurídicas não têm nenhum direito contemplado no art. 11, 16, 21, 8 e 25, 1 e 24 da Convenção Americana, porque não são titulares de direitos protegidos pelo sistema de proteção da Convenção Americana.
Sobre a sexta pergunta formulada, os membros ou sócios de uma empresa ou sociedade, como pessoas físicas, titulares de direitos fundamentais, protegidos pela Convenção, são os únicos que podem esgotar os recursos internos e ir perante a Comissão[2]. Os sindicatos e as comunidades indígenas merecem um tratamento especial.
A respeito da sétima pergunta, ela deveria ter sido baseada no princípio pro pessoa e ter seguido a linha da resposta à terceira pergunta.
Finalmente, o Juiz Pérez afirma que, segundo os critérios e meios interpretativos previstos na Convenção de Viena, pode-se confirmar a interpretação do art. 1.2 da Convenção Americana, na qual as pessoas jurídicas não são parte do “âmbito de proteção da Convenção” e “a proteção interamericana dos direitos humanos” só compreende às pessoas físicas ou naturais. Nesse sentido, as pessoas jurídicas não podem ser consideradas “supostas vítimas” no marco dos processos contenciosos ante o sistema interamericano.
COMO CITAR
SOUSA, Adriano Corrêa de; MUÑOZ, Juanita Miluska Buendía. A Opinião Consultiva n. 22/2016: a titularidade dos direitos humanos das pessoas jurídicas e indígenas no sistema interamericano. Casoteca do NIDH – UFRJ. Disponível em: https://nidh.com.br/?p=6877&preview=true
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ALMEIDA, Raquel. A Opinião Consultiva n. 23/2017: meio ambiente e direitos humanos. Casoteca do NIDH – UFRJ. Disponível em: https://nidh.com.br/oc23/
* Professor de Direito Constitucional e Metodologia da Pesquisa da Universidade Candido Mendes. Doutor em Teoria e Filosofia do Direito pela UERJ. Mestre em Direito Constitucional pela UFF. Coordenador do Observatório dos Direitos dos Originários da Universidade Candido Mendes (ODO-UCAM).
** Advogada. Licenciada e Bacharel em Direito pela Universidad Antonio Ruiz de Montoya (Lima, Peru). Mestranda em Sociologia e Antropologia pelo PPGSA-UFRJ. Membro do Observatório dos Direitos dos Originários da Universidade Candido Mendes (ODO-UCAM).
[1] Opinião Consultiva OC-2/82 de 24 de setembro de 1982. Série A, n. 2, par. 29; Opinião Consultiva OC-21/14, par. 53.
[2] Para aprofundamento maior sobre o tema, v. CAUSANILHAS, Tayara. Caso Ivcher Bronstein vs. Peru: denúncia da CADH e liberdade de expressão. Casoteca do NIDH – UFRJ. Disponível em: <https://nidh.com.br/ivcherbronstein/>. Acesso em: 5 ago. 2020.